28 de dez. de 2011

Os livros do (meu) ano

Antes que o ano termine, dou uma ajeitada na estante, constato que, mais uma vez, não consegui ler nem a metade dos livros que comprei e tento organizar uma prateleira com os candidatos à próxima leitura -- uma fila que muitas vezes é furada por achados excepcionais. Em 2011, quatro escritoras bagunçaram maravilhosamente a ordem das coisas: Maria Esther Maciel (O Livro dos Nomes); Norah Lange (Cadernos de Infância); Adriana Lunardi (A Vendedora de Fósforos); e Noemi Jaffe (Quando Nada Está Acontecendo). Não hesite em deixar qualquer um desses títulos roubar a próxima vaga na sua cabeceira.

26 de dez. de 2011

Sementes

Hoje lembrei daquela experiência que a gente fazia na escola, em algum momento do antigo curso primário: dentro de um potinho transparente, colocávamos um grão de feijão sobre um punhado de algodão embebido em água. Depois, era só deixar o recipiente num lugar bem iluminado, umedecer o algodão, caso secasse, e esperar. Em poucos dias, o feijão enrugava e logo aparecia a pontinha de um caule que cresceria rápido, feito mágica, rodeado de folhas verdinhas. Aguardo o início do ano com a mesma expectativa da menina que ficava observando os primeiros sinais de mudança dentro daquela nuvem de algodão, ansiosa para ver os brotos de tantas sementes que plantei em 2011.

21 de dez. de 2011

Amigas secretas

Que o espírito da festa
Junte formigas e cigarras
Em alegres algazarras

A ilustração é do querido Gilles Eduar.
...
Um bom Natal, e até segunda!

20 de dez. de 2011

Um presente

No seu "A Louca da Casa", a escritora espanhola Rosa Montero escreve:

"...( ) Às vezes acontece de você escrever muito acima da sua capacidade, de escrever muito melhor do que sabe escrever. E então não quer sair da cadeira, não quer respirar nem muito menos pensar, para que o milagre não se interrompa. Escrever, nesses estranhos momentos de leveza, é como dançar uma valsa muito complicada com alguém, e dançá-la perfeitamente."

Papai Noel, quero alguns momentos assim em 2012. Pode ser?

19 de dez. de 2011

Sempre

No Natal
Tem festa e presente
E a saudade
De quem está ausente

No Natal
Tudo insiste
Em ser
Alegre e triste

16 de dez. de 2011

Dezembros

Porque hoje é o dia do seu aniversário, a saudade me acordou com cheiro de mar. Depois grudou na minha pele feito areia fininha, ardendo com a falta que você me faz.

14 de dez. de 2011

Tempo

Um ano: muitos centímetros, outra voz
E você
Espelho do tempo veloz

Sempre: o jeito de olhar, a mesma expressão
E você
Espelho do tempo do coração
...
O post é de 2008, quando meu filho estava terminando a 8ª série. Ontem, durante a cerimônia de formatura do Ensino Médio, lembrei do texto e de novo me emocionei pensando nesses finais que misturam tristeza e alegria: a despedida da escola e de uma fase que sempre será lembrada com saudade vem junto com a promessa de tudo que está começando. No espelho, vejo os primeiros contornos desse novo tempo, que parece cada vez mais veloz e cada vez mais o mesmo.

13 de dez. de 2011

Sol

Lagartixa e minhoca
Sanhaço e sabiá
Coruja na toca

Hoje tem festa
Na árvore-floresta
...
A ilustração é da Maria Eugenia.

12 de dez. de 2011

4 jeitos de chorar

1. Às vezes começa por causa de um cisco: o olho pisca e se espreme tanto que logo aparece uma lágrima pra esguichar o intruso. Daí a gente pode aproveitar e derramar outras coisas que estão incomodando.
2. Também acontece por conta de um susto: a garganta aperta, engasga e devolve o que não está conseguindo engolir. Tudo acaba vazando pelos olhos.
3. De vez em quando o aperto é no peito: de tanto se espremer, o coração produz um concentrado de lágrima, próprio pra lavar a alma.
4. Certos pensamentos também fazem a gente chorar: vapores carregados de preocupação ou de lembranças ruins formam uma nuvem cinzenta que cedo ou tarde embaça os olhos e só se desfazem depois de uma boa chuva de lágrimas.

8 de dez. de 2011

No Japão

A edição bilíngue do "Como Começa" já chegou em algumas escolas do outro lado do mundo: hoje dei uma entrevista para a revista Educando, produzida em português para a comunidade brasileira que vive no Japão. Vou brindar com saquê!

Dezembro

tempo suspenso
entre um final
e um começo

6 de dez. de 2011

Personagens (2)

Entro na loja de brinquedos e pergunto se eles têm cabaninhas. Uma moça simpática me pede pra acompanhá-la até o corredor onde estão as "barracas", entre aspas que vejo desenhadas no seu sorriso de vendedora. Em seguida, ela pergunta se é para um menino ou uma menina. Acho que nunca tinha pensado no assunto desse jeito, demoro um pouco pra responder, mas vejo que a questão faz todo o sentido quando ela mostra a barraca do Batman e a toca das Princesas do Mar. Digo que é para uma menina e descubro os modelos Hello Kitty, Turma da Xuxinha, Barbie com Bolinhas, entre muitas outras barracas temáticas. Quase pergunto se a da turma do Cocoricó seria unissex, mas acho melhor não complicar as coisas. Enquanto tento escolher entre todos aqueles tons de rosa, lembro de um lençol suspenso entre o sofá e duas cadeiras, a cabaninha que eu armava na sala pra brincar sozinha, com a amiga do 9º andar e também com meu primo, sempre que ele aparecia em casa -- um espaço onde cabiam meninas, meninos e todos os personagens que a gente imaginasse, sem essas aspas que me mostram um mundo cada vez mais careta.

3 de dez. de 2011

Ostras

Um tempo atrás pensei em escrever uma história de amor entre duas ostras. Fiquei com esse tema na cabeça, imaginando como o casal poderia se cruzar, o quanto iam se achar feios -- com razão, diga-se de passagem --, e como seria difícil o romance engrenar já que, como ostras, os dois eram muito, muito tímidos. O drama teria que evoluir até que a ostra-moça, no auge da paixão, geraria uma pérola. Mas descobri que as coisas não acontecem bem assim: uma pérola se forma quando alguma substância estranha desliza pra dentro da ostra e a irrita. Daí ela se fecha e reage, tentando se defender com um reforço de madrepérola -- o mesmo material que forma a concha. Pelo que entendi, a joia nasce só nesses casos e, mesmo assim, só de vez em quando. Acho que é mais ou menos como um cisco que entra no olho, irrita e faz a gente lacrimejar, sem a parte da pérola. Conclusão: eu precisaria inventar uma situação pra incomodar a ostra. Coloquei o problema na gaveta até outro dia, quando resolvi voltar ao assunto. Na pesquisa, acabei encontrando uma verdadeira pérola, o "Consider the Oyster", escrito em 1941 pela americana M.F.K. Fisher.
...
"As ostras levam uma vida terrível, mas fascinante. De fato, suas chances de sobrevivência são minúsculas, se há alguma. Se conseguem atravessar as duas perigosas semanas da adolescência, podem encontrar um lugar limpo e tranquilo para se fixar. Então começam os anos de paixões, aventuras e ameaças. Nem ela mesma - mas porque chamá-la de ela, exceto por comodismo?-- sabe ainda se é uma ela ou um ele. Uma ostra normal nunca descobre, entra ano, sai ano, a que gênero pertence. Se a temperatura da água for adequada, ele pode se tornar uma ostra e botar milhões de ovos... Se a vida é dura, a de uma ostra é pior. Vive imóvel, silenciosa. Se escapar de todas as ameaças, será apenas para ser comida pelo homem. O corpinho frio escorrega para uma panela, ou um forno, ou ainda vivo, goela abaixo. E acabou-se".

O texto é delicioso. Não abriu meu apetite por ostras, mas sim por outros livros de M.F.K. Fisher. Quanto à história de amor, desisti: o fato "do" ostra em algum momento poder se transformar "na" ostra complicou demais o enredo.

29 de nov. de 2011

3 formas diferentes de classificar as nuvens

Como:
1. Um bom motivo pra olhar mais vezes para o céu
2. Um ótimo lugar pra se colocar a cabeça
3. O melhor jeito de lembrar que todas as tempestades desmancham

28 de nov. de 2011

5 motivos pra gostar de vento

1. Varre o chão sem vassoura
2. Funciona como uma espécie de ar condicionado pras árvores
3. Leva e traz cheiro de chuva, de bolo e de flor
4. Muda o desenho das nuvens
5. Faz a gente lembrar que as coisas invisíveis existem

27 de nov. de 2011

Domingo

As palavras espreguiçam sem pressa de se dizer. De pijama, andam pela casa silenciosa, ainda sonolentas e embaralhadas. Depois flutuam no gosto do café e olham o céu através da janela, acordando devagarinho como os ruídos do domingo.

24 de nov. de 2011

Bicicleta a bordo

Raramente clico naquele globinho que fica girando lá no final da página, mas, ontem, a presença online de um visitante "indefinido" me deixou curiosa: como assim? Fui checar e descobri esse pontinho amarelo passeando na minha bicicleta perto da Costa do Marfim -- taí um internauta que leva a coisa a sério, navegando literalmente pela blogosfera.

23 de nov. de 2011

Tempo

Ela nasceu no final de novembro de 2000. Tinha três meses quando veio morar com a gente, uma gata branquinha e pequenina, dando susto sempre que desaparecia dentro de um tênis ou no fundo de uma gaveta. Meu filho, com seis anos na época, foi logo batizando a bichana de “Miúda”. Franzina ela era mesmo, mas também tão temperamental que rapidamente ganhou um sobrenome: Miúda Felina. Na prática, o que colou mesmo foi o apelido, Miú, muito mais adequado, e por dois motivos simples: com a convivência, o tal gênio amansou, dando lugar a um serzinho ronronante, macio e brincalhão; o segundo motivo é que, em poucos meses, aquela criaturinha já não tinha nada de miúda: virou uma gatona amarronzada, siamesa elegante com porte de leoa.
Neste seu 11º novembro, ela completa uma idade que equivale aos nossos 60 anos. Está mais cheinha, menos ágil, dorme por horas a fio, conversa menos. O menino que foi criança junto com a gata virou um adolescente alto, magríssimo, inquieto e falante. Está às vésperas do vestibular e do primeiro mochilão, com tudo por começar -- num único tempo, dois tempos correndo juntos em direções opostas.

22 de nov. de 2011

Prato do dia

O arroz é branquinho
Quando está sozinho
Mas muda de gosto e de cor
Com qualquer caldinho

A palavra é como o arroz:
Quando está só, diz uma coisa
E também pode dizer outra
Depende do que vem depois

Se o tempero é diferente
O arroz e a palavra surpreendem
Cada vez é uma história
Abrindo o apetite da gente
...
Hoje o dia vai ser bem saboroso: vou conversar com os pequenos da Escola Building. O cardápio promete.

19 de nov. de 2011

Baile

O vento assobia baixinho
A árvore fica assanhada
Folhas se agitam e animam
Sombras dançando na calçada

18 de nov. de 2011

Algodão doce

Certas ideias são assim: começam como aquela nuvem branca com tons de rosa surgindo feito mágica em volta de um palito. A imaginação sente o gostinho e vai tecendo uma trama que parece deliciosa. A miragem dá água na boca, mas é só isso: a ideia-algodão doce logo se desfaz no papel como uma nuvem desmanchando no ar.

16 de nov. de 2011

A casa triste

Depois de tanto banho de sol e de chuva, a placa "vende-se" amarelou. A outra, que dizia "aluga-se", sumiu no emaranhado de folhas do jardim que envelheceu rabugento e solitário, sem visita de passarinho. Lá no fundo, o tempo enferrujou no portãozinho que alguém esqueceu de fechar, deixando pra trás a casa que, um dia, foi branca. Pelo vidro das janelas, procuro mistérios e fantasmas, mas só vejo a tristeza que ficou morando lá.

12 de nov. de 2011

10 de nov. de 2011

No metrô

Eles devem ter 16, 17 anos, no máximo. Ele fala o tempo todo, faz gestos largos, não para quieto no banco. Ela escuta com olhos encantados. De vez em quando, dão muita risada. Ele esfrega as mãos nas pernas de jeans, ela enrola o dedo no cabelo. Estão se apaixonando, e levantam ao mesmo tempo pra desembarcar na estação Paraíso.

9 de nov. de 2011

Receio

É um pontinho de interrogação que fica se disfarçando entre reticências porque tem medo da resposta.

7 de nov. de 2011

Palavras

Quando estou lendo, gosto de ser surpreendida por palavras que não conheço. É claro que isso não pode acontecer a cada duas linhas porque, então, o que seria prazer vira uma chatice. Mas topar aqui e ali com uma palavra nova sempre me provoca: mesmo quando não é difícil intuir seu significado dentro do contexto geral, faço uma orelhinha na página e depois vou conferir no dicionário. Dias atrás fui checar a palavra “plasta”, que aparece no juvenil “ A Mocinha do Mercado Central”, de Stella Maris Rezende. Na hora, gostei da estranheza do som, mas não cheguei nem perto do que o Houaiss me contou: plasta é qualquer coisa branda, moldável como o barro e que também nomeia a pessoa lerda, inábil. No final de semana, lendo “Infinitos”, de John Banville, me encantei com “solipsista”, e acabei descobrindo o solipsismo, doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações – por extensão de sentido, o termo é usado para definir a vida e os hábitos de um indivíduo solitário, como o protagonista do livro.
Mas não é só nos livros que esbarro com novidade: hoje ganhei uma caixinha de sabonetes linda e fiquei tentando adivinhar de que fruta era aquele perfume. Teria matado a charada na hora se soubesse que "dióspiro" é o nome do nosso caqui em Portugal.

5 de nov. de 2011

Do vovô James Joyce

Por conta de um comentário que o blog Mercury Drops deixou hoje num post antigo, fui procurar e acabei relendo a história que James Joyce escreveu para o seu neto em 1936. O livro faz parte de uma coleção muito legal publicada pela Record -- o meu é de 2000, já na 8ª edição, com tradução de Antonio Houaiss e ilustrações de Roger Blachon. Talvez só seja possível encontrar o título em sebos, mas vale a pena. Segue o post de 2007:

Um infantil de Joyce? Pois é, "O Gato e o Diabo" é uma das histórias que J.J. contava para Stephen Joyce, provavelmente a única que ficou registrada, já que foi escrita em uma carta que o avô mandou para seu "querido Stevie" em 1936. O conto é curto e tem P.S. do autor no final: "O diabo fala de preferência uma língua dele mesmo chamada belzebulenga, que ele inventa conforme vai falando, mas, quando ele está com uma bruta raiva, pode falar um notável mau francês muito bem, embora alguns dos que o ouviram digam que com um forte sotaque de Dublin". Joyce assina a carta-livro com um carinhoso "nonno".

4 de nov. de 2011

Calma

O coração escuta e logo começa a bater num compasso mais suave. Os pensamentos também param pra ouvir e aos poucos vão mudando de tom. Calma é assim: uma música que ecoa sem fazer alarde, mudando o ritmo de tudo dentro da gente.

3 de nov. de 2011

Ritual

Começo a trabalhar e a gata logo aparece no escritório. Desliza pelo tapete, silenciosa, checa os cantos de sempre, para pra investigar quando encontra alguma novidade, mas invariavelmente termina entre as minhas pernas, desenhando oitos enquanto se estica pra lá e pra cá. Depois salta pra cima da mesa, contorna as pilhas de livros e papéis sem tirar nada do lugar e segue rumo ao roteador quentinho, onde se aninha pra primeira soneca do dia. Adormece em segundos ouvindo o tec-tec-tec dos meus dedos no teclado -- uma mesma cantiga ninando a gata e acordando as palavras.

1 de nov. de 2011

Mandinga

"Quando eu era pequena e queria muito que uma coisa acontecesse – ou não acontecesse -- eu fazia umas 'promessas'. Quer dizer, era mais como uma espécie de combinado mágico. Por exemplo: às vezes eu percebia que meu pai ia ficar triste. Isso acontecia toda vez que ele começava a ouvir umas músicas que ele só ouvia quando estava daquele jeito, querendo ficar triste. Na mesma hora eu inventava um combinado. Podia ser qualquer bobagem como ficar somando os números das placas dos carros que passavam na minha rua até dar 18, dia do meu aniversário, ou ficar quieta durante 18 minutos, sem falar uma única palavra. Coisas desse tipo. Parecia mágica, sempre dava certo: assim que o 18 aparecia, o telefone tocava, meu pai atendia e começava a conversar. Acabava esquecendo da música e da tristeza".

Trecho de "As Namoradas do Meu Pai".

31 de out. de 2011

Livro novo

Todas as coisas se movem
Quando o vento vem cutucar
Por fora e por dentro
Tudo pode mudar de lugar


"Reviravento" já está no forno: o livro sai pela Callis, com ilustrações da Rosinha.

26 de out. de 2011

Intervalo

Nos próximos dias, vou dar um giro por lugares diferentes. Chamar de férias é um exagero, mas nada como um recreio inesperado pra descobrir novas paisagens fora e dentro de mim.
Até segunda-feira!

25 de out. de 2011

Feitiço

A lua enfeitiça o mar
Maré sobe, maré desce
O mar obedece

A lua enfeitiça a gente
Noite clara, noite escura
O olhar procura

Sempre a lua

21 de out. de 2011

Convite

Participar dos eventos da Casa de Livros é uma delícia: a livraria é linda -- uma casa de esquina, clara e espaçosa --, e ainda tem o jardim, que vira sala nos dias de bate-papo. É lá que vou me encontrar amamhã com os pequenos do Colégio Vértice. Apareçam!

20 de out. de 2011

Perseguição

Dias atrás um amigo sugeriu que eu escrevesse sobre determinado tema. Na hora, não me senti provocada pelo assunto, até porque o tema em questão é bem difícil e autores fantásticos já escreveram histórias maravilhosas tratando disso – só pra citar um livro, na minha opinião, insuperável: “O Pato, A Morte e a Tulipa”, de Wolf Erlbruch. Assim, arquivei o tema na pasta “quem sabe, um dia” e segui fazendo as minhas coisas. E aí começou a acontecer: de repente, o tema surge no meio da conversa com uma amiga, num contexto completamente diferente; abro o jornal e lá está ele, na crônica do dia; meu filho pede um livro que tem tudo a ver com o assunto; e adivinhem qual é o enredo do filme que meu marido traz pra gente ver à noite? Como se tudo isso não bastasse, topo fazer uma resenha pra revista “Brasileiros” e só depois descubro que o autor está estreando com um livro sobre... Enfim. Não é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece, mas nem por isso deixo de me surpreender e pensar nos mistérios desse ofício -- quando uma ideia teima em aparecer o tempo todo, não tem como fugir da raia. É sentar e escrever.

18 de out. de 2011

Sorte

As pessoas contam comigo, e eu faço o que posso pra retribuir. Mas, sabe como é, meu melhor amigo é o Acaso e ele me influencia demais – às vezes planejo uma coisa e acabo fazendo outra se o Acaso vem com alguma novidade que me distrai. Vira e mexe perco a hora e deixo o pessoal na mão. Mesmo sabendo que muitos estão à minha espera, fazendo figas e torcendo pra me encontrar, eu falho. Chego atrasado ou até esqueço o endereço, mas juro que não é nada pessoal. Simplesmente acontece! A verdade é que não resisto aos convites do Acaso. A gente não faz nada de especial, só ficamos circulando pra lá e pra cá, meio a esmo, sem compromisso. Engraçado é que nesse vaivém cruzo com certas pessoas muitas vezes. Vai explicar... Não sei se isso é obra do Acaso -- de vez em quando desconfio que ele se faz de desentendido mas sabe direitinho pra onde quer me levar. Ah, e como ele sabe me atrair! De todo modo, não faz diferença pra mim porque não tem quem não me receba de braços abertos. Pudera! Às vezes, basta um empurrãozinho meu e dá tudo certo.
Quer dizer, quase tudo. É que o Acaso também apronta comigo. Quando ele me lança pelos ares, só de farra, posso acabar caindo no meio de uma situação complicada: no dia em que aterrisso perto do gato, por exemplo... Fazer o quê? Pobre do rato!

15 de out. de 2011

Noite

Sonhei que alguém me contava uma história, e era uma história sensacional. Eu ouvia com muita atenção, mas como sabia que estava sonhando fui ficando angustiada com a possibilidade de não lembrar de nada no dia seguinte e dizia pra mim mesma: “acorda e escreve já, amanhã as palavras não vão dar conta de trazer esse sonho de volta”.
Hoje abri os olhos e era só isso: a lembrança da minha urgência sonhando uma história que ainda não quer acordar.

13 de out. de 2011

Hoje

A chuva acordou o dia
Com barulho e ventania

Depois virou garoa fina
E choveu poesia

Pingos de brilho
No cabelo da menina

11 de out. de 2011

Intuição

É como um flash que dispara de repente e sem explicação. Só pra deixar os outros cinco sentidos com a impressão de terem visto uma fotografia que ainda não foi revelada.

7 de out. de 2011

Amarelinha

É como no jogo da infância: a gente tem que pular as pedras sem perder o equilíbrio, e pisar firme com os dois pés no chão quando der. Sempre tem um céu no fim do caminho.

A foto é da Lili Oraggio.

6 de out. de 2011

Adolescência

“Quando eu tinha uns sete ou oito anos, achava que seria adolescente no dia em que tivesse barba, como o primo do meu amigo. Ele era mais velho, mas estava sempre por perto, até jogava videogame com a gente. Era ele quem ‘cuidava’ desse meu amigo quando a mãe não estava em casa. Lembrei dele no dia em que olhei no espelho e me achei esquisito. Custei até descobrir que o problema era o queixo. De repente, parecia que só aquela parte do meu rosto tinha crescido, o resto continuava igual -- as bochechas, os olhos, tudo estava no mesmo lugar, menos o queixo, de repente pontudo e desproporcional. Eu tinha acabado de fazer 13 anos e senti medo de ficar feio daquele jeito pra sempre, mas sosseguei pensando que, um dia, eu ia virar um universitário de óculos e ia ter barba, como a do primo do meu amigo. Não dava pra ter a menor ideia de como era o queixo dele, e seria assim comigo também. A barba ia me salvar".
...
Passei a tarde selecionando trechos do livro "O Nosso Rito a Gente Inventa" para um evento que ainda nem está confirmado. De todo modo, foi gostoso reler os depoimentos e encontrar passagens como essa aí em cima. Fiquei com vontade de começar uma história a partir daí -- nada como a realidade pra inspirar a ficção.

Segredo

Está tudo lá: nos olhos, e também no jeito de segurar o livro, no sorriso fora de hora, no cabelo preso com elástico apertado demais.
A menina não diz, mas seu segredo fala.

Publicado aqui.

4 de out. de 2011

Um monstro

Urgente é um monstro enorme. Apesar de seu tamanho descomunal, ele se move com extrema rapidez, o que sempre provoca um vento inesperado e muito forte, capaz de arrastar tudo o que encontra pelo caminho. É da mesma família do Bicho-Papão, só que prefere perseguir os adultos, pois as crianças raramente dão bola pra suas ameaças. E como vive apressado, Urgente não gosta de perder tempo: por isso só inferniza quem o teme e se desespera sempre que ele aparece, mandão, dando ordens que nunca podem esperar. Quando está faminto, o monstro perturba o sono e não dá sossego enquanto a vítima não pula da cama. Mas Urgente não é um monstro noturno: gosta mesmo é de assombrar à luz do dia, devorando as horas do relógio e a energia das pessoas -- é disso que ele se alimenta pra ficar cada vez maior, mais poderoso e assustador.
Quando ele ataca, o primeiro impulso é sair correndo. Só que é justamente assim que a gente cai na sua armadilha. Daí não jeito: o Urgente nos engole, rápido e sem dó.

3 de out. de 2011

???

Comigo também era assim: sempre fui do planeta das letras.
...
E quem descobriu essa imagem-pesadelo foi a Maria Amália Camargo!

29 de set. de 2011

Cismada

A cisma é uma ideia fixa que fica teimando em se provar. Muitas vezes, ela não é nada, só acha que é. Isso acontece com a cisma que é prima do pressentimento, mas gosta de se apresentar como filha da certeza. E como essa cisma quase sempre é amiga íntima da desconfiança, de vez em quando a gente acaba implicando com coisas ou pessoas a troco de nada. Pior é quando aparece algum motivo pra implicar de verdade. Aí, ninguém segura: cheia de razão, a danada começa a dar palpite o tempo todo, por puro capricho, incomodando feito pulga chata atrás da orelha.
Mas existe outro tipo de cisma. Essa até pode ser alguma coisa, apesar de ela mesma nem sempre botar muita fé nisso. Também inventa ideias e impressões pra ficar cismando, insistente.
Tem que prestar atenção porque, com ela, é tudo diferente -- essa cisma é prima do desejo, filha do sonho e pode virar a melhor amiga da perseverança se a gente decide encarar o tira-teima.

27 de set. de 2011

O pé nervoso

Ontem passei a tarde preparando o meu encontro com os pequenos da Escola Building, na Livraria Casa de Livros, no próximo sábado. Como eles leram "O Lugar da Coisas", resolvi fazer um sarau de "poemas malucos" e acabei reescrevendo alguns, como esse, já publicado aqui:
...
De perna cruzada e olhar esquecido
O moço parecia estar meio adormecido.
A única parte que tinha acordado
Era o pé esquerdo: que pé agitado!

Tranquilo como ele só, o moço continuou sentado
Enquanto o pé balançava, todo afobado
E nervoso, chutando ar pra todo lado.

De vez em quando sossegava um momento,
Mas logo recomeçava o vaivém, que tormento!
Dava aflição ver aquele pé sacudindo
Como se gritasse: --Acorda, vamos indo!

Bem que o pé já queria sair andando
Mas só podia seguir chacoalhando.
Fazer o quê? O moço ainda estava sonhando...

23 de set. de 2011

Futuro

Todo mundo pensa um bocado em mim. Bom, se não for todo mundo, é quase. Cada um me chama de um jeito -- Amanhã, Ano-Novo, Mês-Que-Vem -- e mais um monte de nomes. Pessoalmente, gosto muito de Algum-Dia. Acho poético. Até aí, tudo certo, sei que é sempre de mim que estão falando. Enquanto não chego, as pessoas ficam curiosas -- umas mais, outras menos, mas a maioria imagina ou tenta adivinhar coisas a meu respeito. Acontece que se não chego com um presentinho, uma surpresa bacana ou pelo menos uma notícia boa, é batata: passo desapercebido, ninguém me dá muita bola. É assim: já me acostumei a ser esperado com ansiedade e, depois, recebido com indiferença, principalmente quando não trago nada de especial.
Chato é se, por acaso, tenho que anunciar algum problema ou até coisa pior. Quem fica muito decepcionado já sai dizendo que nunca mais vai botar fé em mim. Que dureza ouvir isso! Mas não me ofendo, sei que é coisa de momento. No fundo, no fundo, mesmo esse pessoal conta comigo chegando a toda hora, e nisso eu não falho -- pode ter certeza que vou continuar aparecendo. Nem precisa conferir na bola de cristal.

19 de set. de 2011

Inquietação

É uma vontade que ainda não sabe falar, mas faz barulho e se mexe o tempo todo, brincando de pega-pega dentro da gente.

14 de set. de 2011

Aniversário

Quatro anos e 1026 post-pedaladas depois, o blog estreia roupa nova e comemora com bolo de chocolate (da Maria Eugenia). Obrigada a todos que acompanham os passeios da bicicleta!

13 de set. de 2011

Saudade (2)

O gostinho cremoso da nata na tampa de alumínio que fechava a garrafa de leite; a quitanda do seu Antero, na esquina da minha rua, e o caderninho onde ele marcava as compras que minha mãe acertava sempre no final do mês; a farra que meu primo e eu fazíamos nas ladeiras do Sumaré, deslizando pra lá e pra cá com o nosso carrinho de rolemã. As memórias da escritora argentina Norah Lange não têm nada a ver com as minhas, mas a leitura do seu belo “Cadernos de Infância” despertou imagens, sabores e tantas lembranças dos meus tempos de criança que acabei ficando com a impressão de ter lido dois livros ao mesmo tempo. 

12 de set. de 2011

Saudade


tec-tec-tec-plim-tec-tec!
era assim que as palavras falavam 
na minha Olivetti


A ilustração é da Maria Eugenia.

9 de set. de 2011

Meu primeiro e-book

Em março de 2009, escrevi aqui sobre os livros digitais, uma "novidade" que já estava dando o que falar: os  treze comentários do post refletem a polêmica que então envolvia o assunto, com muita gente rejeitando essa modernidade -- livro sem página, sem cheiro, sem anotação e sem orelhinha? --, e também com leitores a favor, alguns até ansiosos pela nova experiência. Dois anos depois, confesso que ainda tenho certa resistência a ler num tablet, mas preciso admitir que foi emocionante baixar o "Nosso Rito a Gente Inventa" no iPad. E dá pra imaginar que, daqui a dois anos, os e-books de hoje já possam parecer arcaicos: quem sabe quantos aprimoramentos ou novos suportes podem surgir? Continuo apegada aos volumes de papel e eles não vão perder o lugar no meu criado-mudo, mas folheando meu primeiro e-book me dei conta do óbvio: aprender a ler os livros numa tela é apenas um dos jeitos de ler o mundo com novos olhos. 

8 de set. de 2011

Depois do feriado

É quinta-feira, mas parece domingo
Ai, que vontade de continuar dormindo!

E o bicho-preguiça é da Carla Caruso.

6 de set. de 2011

Poesia

O ventilador acorda o vento
O relógio inventa o tempo
A palavra veste o pensamento

O invisível faz poesia
A todo momento

5 de set. de 2011

Na Bienal

Que ele é gentil e encantador eu já sabia: o Ailton Guedes faz parte da equipe da Callis e vive me ajudando com issos e aquilos o tempo todo. Mas, sábado, na Bienal, descobri que ele também é um contador de histórias dos melhores, e encantou os grandes e os pequenos que estavam no estande da editora. 

Como só sei contar história por escrito, a turma chegou bem pertinho pra ler "O Lugar das Coisas" junto comigo. Um livro aberto e um monte de olhos em cima dele: isso também é encantador.

31 de ago. de 2011

Infância

Numa dessas manhãs escuras como hoje, eu era pequena e tinha medo de tempestade. Lembro de ficar encolhida no meu quarto de filha única, quietinha, esperando o dia acordar com as certezas de sempre: minha mãe e o som de pratos e talheres saindo dos armários da cozinha; meu pai e o perfume forte da loção pós-barba passando pelo corredor. 

30 de ago. de 2011

Letrinhas

A editora gostou da ideia logo de cara. Gostou também de alguns trechos que mostrei naquele primeiro dia. Mas, hoje, saindo de casa pra ir ao seu encontro com o texto em que trabalhei tanto nos últimos meses, fico insegura e penso em adiar a reunião pra, quem sabe, reler tudo pela enésima vez. Na mesma hora me dou conta de que ela, a editora, fará isso muito melhor do que eu. Então é isso: vamos em frente.
Se tudo der certo, será o meu 13º livro, e ao contrário do que eu pensava quando publiquei o primeiro, em 2005, cada vez fica mais difícil -- o ofício de escrever me mostra todos os dias o quanto ainda tenho que aprender.

29 de ago. de 2011

Pé de bombom


Cerejeira cheia de graça
Até parece um sonho de valsa

...
A foto é da querida Lili Oraggio.

28 de ago. de 2011

Fazia tanto frio que a Pilar até perguntou pra Flávia Lins e Silva: estamos em Passo Fundo ou em Passo Frio? A bruxa Creuza foi tratando de se aquecer com uma boa poção de chimarrão, e só o Pinguim Kondo ficou numa boa com os termômetros marcando 0ºC . Pudera, ele e o ilustrador Daniel Kondo nasceram lá -- os dois estavam se sentindo em casa! 

26 de ago. de 2011

Intenso

O frio, o ritmo dos dias, os encontros e até as cores das lonas do Circo da Cultura -- tudo foi muito intenso durante a Jornada Literária de Passo Fundo. E também delicioso: participar dessa festa armada em torno dos livros trouxe a oportunidade de rever conhecidos, e ainda conhecer de verdade Regina Rennó, Flávia Lins e Silva, Roseana Murray, Caio Ritter, Roger Melo e muitos outros autores que já frequentam a minha estante há tanto tempo.
Com Daniel Kondo, o meu companheiro de lona e mais novo amigo de infância, compartilhei da melhor parte da farra: os encontros com as crianças.

Muitas crianças. Em cada lona, centenas de pequenos esperando os autores com olhares curiosos...
            



... muita ansiedade e um monte de perguntas.

Querendo saber tudo sobre a gente...

... e, às vezes, querendo chegar bem perto da gente.
No final de cada sessão, Daniel e eu estávamos sempre assim. Precisa dizer mais?


21 de ago. de 2011

Jornada

Quando recebi o convite pra participar da Jornada Nacional de Literatura nem lembrei do medão de avião e do medinho de falar em público: a alegria foi logo dizendo sim, e amanhã embarca comigo rumo à 6ª edição da Jornadinha de Passo Fundo.
Volto na quinta-feira com notícias dessa festa.


17 de ago. de 2011

Bom dia

Abro a porta do elevador e encaro três pessoas que não conheço. É muito rápido, mas consigo ver um olhar apressado dizendo entra logo, e outro meio tristonho -- ou sonolento? --, e mais outro, tão preocupado, que nem me vê. Eu podia entrar sem dizer nada, bastava balançar a cabeça de leve, com um olhar educado, e depois nós quatro desceríamos em silêncio até o térreo, todos os olhos no tapete ou no relógio. Mas eu digo bom dia, avanço sorrindo e de repente vejo os olhos de três pessoas que não conheço sorrindo pra mim.

16 de ago. de 2011

Paisagem

No desenho da menina
Tinha o mar que nunca acaba
E ondas gigantes de espuma macia

Tinha a montanha mais alta do mundo
Protegendo da ventania

A mãe e o pai
No desenho da menina

12 de ago. de 2011

Gostoso

-- Dez segundos pra dizer três coisas gostosas com..."P"!
-- Legal!
-- Ééééé... 1...
-- Pastel! Pastel de queijo...
-- 2... 3... 4...
-- Pêê... Piiiiiii... ?... Pipoca!
-- 5... 6...7... 8...
-- ... Hmmmmmmmmm....
-- ...9... eeeeeeeeeeeeee... 
-- Eeeeeeeeeeee.... Picles!
-- PICLES?????
-- É, picles.
-- ... ? 
-- Nunca comeu? Hum, é tão gostoso!

10 de ago. de 2011

9 de ago. de 2011

Com que roupa?

Vestir as ideias com as palavras certas é um grande desafio. Inexata ou equivocada, a palavra pode trair a natureza de uma ideia assim como uma peça de roupa mal cortada, numa cor muito intensa ou apagada demais acaba comprometendo todo o conjunto. E tem os excessos: de acessórios-adjetivos roubando o brilho do modelo original, e de tantos outros enfeites que só enfeiam. E tem as repetições: ideias que vão e vem, reaparecendo com a mesmíssima roupa -- como manter o impacto da "primeira vez" vestindo palavras amarrotadas? Cada ideia exige várias experimentações, ajustes e retoques -- como acontece num ateliê de costura, as palavras vão sendo moldadas no corpo da ideia, sob medida. 
Sempre é assim, mesmo quando as ideias estão vestidas de um jeito descontraído, bem simples, tipo jeans e camiseta. Aliás, geralmente são essas que passam mais tempo se arrumando pra sair.

8 de ago. de 2011

Uma prece

Respiro fundo e peço: entra, vento, a casa é sua, fique à vontade. Pode revirar tudo, e não faz mal se as coisas ficarem meio bagunçadas depois que você for embora. Só quero sentir um pouco do seu frescor soprando dentro do meu peito.

5 de ago. de 2011

4 de ago. de 2011

Entrevista


(...) Dentro do pote pode ter geleia
E dentro da cabeça nasce cada ideia!

A querida Rosaly Senra me convidou pra uma conversa gostosa no seu Universo Literário, da rádio UFMG Educativa. O papo ficou gravado aqui

3 de ago. de 2011

O inventor --um miniconto

Quando eu crescer, acho que vou ser inventor.
É que existem umas coisas muito importantes que ainda não foram inventadas. Por exemplo: um medidor de amor. Se dá pra medir febre, por que não dá pra medir amor? Já tenho até o nome -- "amorzômetro". Daí é só colocar em cima do coração da pessoa e pronto: vermelho = máximo; laranja = médio; amarelo = baixo; branco = zero. Se já tivesse um desses hoje em dia eu não precisava ficar perguntando pra minha mãe se ela gosta mais de mim do que do chato do meu irmão.
Também vou inventar um aparelho pra ver os pensamentos dos animais. Bom, pelo menos de alguns. Tem que servir pra cachorros. E talvez pra gatos também. Não tenho muita certeza se o mesmo aparelho vai funcionar pra jacarés, galinhas e outros bichos, mas isso pode ficar pra depois. O principal é o leitor de pensamentos caninos, e também já pensei num nome: iDOG. Tenho certeza que muita gente ia querer ter um desses porque não é só o meu cachorro que pensa um monte de coisas e não consegue me dizer. A gente não passa muito do básico: um latido = "oi"; dois = "vamos dar uma volta"; três = "você demorou pra chegar"; muitos latidos juntos = "estou muito feliz" (ou "muito chateado", depende do tom). Mas não é fácil descobrir o que ele acha das coisas que eu conto todo dia. Eu falo, falo e ele só fica me olhando, pensativo.
Quanta coisa falta inventar nesse mundo!

2 de ago. de 2011

O que tem lá?

Atrás do muro, debaixo do chuveiro, dentro de uma gaveta, no recheio do bolo, na caixinha dos óculos, num galho esquisito que não combina com a árvore, na pressa do relógio, num livro esquecido na estante, na sala de espera do dentista, enquanto o sinal está vermelho, numa fotografia antiga, no supermercado, no pulo da gata, dentro da bolsa, lendo jornal, no cheiro do café, no sonho da noite que reaparece de dia, depois do susto, no meio da música.
A gente sempre pode esbarrar numa história querendo se contar.
...
A do livro "A Pequena Marionete" começa com a curiosidade do menino e se conta sem palavras através das belíssimas ilustrações de Gabrielle Vicent.


1 de ago. de 2011

Agosto

Às vezes, a saudade me surpreende em lugares inesperados: de repente, vejo minha mãe atravessando a faixa de pedestres na frente do meu carro, e até escuto a sua voz gulosa escolhendo chocolates no supermercado. Ela também gosta de me visitar em sonhos, despertando lembranças embaçadas, inventando encontros improváveis. Saudade não tem dia nem hora pra aparecer – é como uma presença invisível que vive rondando. Mas quando agosto chega, essa saudade faz questão de ficar por perto o tempo todo, preenchendo cada instante com a falta que ela me faz.  

29 de jul. de 2011

A aventura de uma leitora

Quem convive com gatos sabe o quanto pode ser difícil ler sem ser interrompida. Posso desligar o celular e o computador, mas não tenho como desligar minha gata. Basta abrir o jornal na mesa e, em questão de segundos, ela estará andando silenciosamente sobre a página, na maior calma, à procura de um lugar pra se acomodar -- nove em dez vezes o ponto escolhido é justamente em cima da notícia que estou lendo. Mesmo se estiver sentada com o jornal ou um livro abertos, ela dá um jeito de atrapalhar: aparece no colo de repente e se encaixa entre os meus olhos e o texto. É sempre assim e só consigo me livrar dela depois de muitos chega-pra-lá. Dependendo da leitura, a intromissão da gata pode me obrigar a retomar um parágrafo que já estava no final ou a retroceder ainda mais, procurando o fio da meada. Isso não costuma ser muito divertido, mas ontem tive uma experiência interessante enquanto estava lendo “A Aventura de um Leitor”, de Ítalo Calvino. O conto está no livro “Os Amores Difíceis” e descreve o que acontece com Amedeo, o leitor-personagem, enquanto tenta terminar o romance que levou para saborear numa praia quase deserta.
“(...) Naquele momento, também, a atenção pela página que estava lendo  -- um longo trecho descritivo – estava afrouxando (...) Era preciso que não levantasse mais os olhos. Pelo menos até o fim do capítulo. Leu-o de um fôlego. A senhora agora estava com um cigarro na boca e o indicava com um sinal. Amedeo teve a impressão de que ela estava tentando chamar a atenção dele já havia algum tempo”.
Igualzinho à minha gata, fazendo de tudo pra roubar minha atenção e me colocando no mesmo vaivém de Amedeo, linha após linha, dividido entre dois desejos: mergulhar na ficção e atender aos chamados da vida real.

27 de jul. de 2011

Novos ares

Não deu cinco minutos e estavam todos lá. Maritacas, sabiás e companhia devoraram rapidamente a bandeja de frutas do drive-thru da janela, reaberto hoje, depois das férias. Pra eles, tudo volta à rotina, mas a minha vai mudar: volto a trabalhar fora de casa, compartilhando um espaço muito charmoso com amigos queridos. Acho que a turma da janela não vai sentir minha falta, mas, talvez, alguns fiquem meio ressentidos porque as porções diárias de bananas e papaias vão diminuir -- como minha salinha tem uma pequena varanda que dá para uma rua cheia de árvores, planejo levar parte do café da manhã pra lá. Imagino que logo, logo vou conhecer outra turma, a do balcão.

Poesia no ponto

Alguém fixou cartazes com poemas de Mário Quintana, Paulo Leminski, Manoel de Barros e Alice Ruiz em dois pontos de ônibus da avenida Doutor Arnaldo. Ao que tudo indica, eles vão continuar por lá -- a Prefeitura não tem nada contra já que as "peças" não ferem a Lei Cidade Limpa, segundo a notícia publicada no Estadão de hoje.
Tomara que a moda pegue.      

25 de jul. de 2011

Céu

Não fui a Machu Pichu quando tinha 20 anos. Pena. Talvez não tivesse ficado com a impressão de estar entrando num parque temático da Disney, disputando um lugarzinho com os milhares de turistas que circulam pelas ruínas -- umas três mil pessoas por dia, e durante o ano todo, segundo o nosso guia. Ainda assim, viajar pelo Peru é uma experiência emocionante: o espírito das montanhas continua intacto e é enfeitiçador, guiando o nosso olhar para o alto o tempo todo. Acho que nunca olhei tanto para o céu.

(ST)    

24 de jul. de 2011

Flor e Juanito

Flor tem dez anos, cinco irmãos e três lhamas -- Juanito, de 4 meses, é seu atual companheiro de "trabalho": todos os dias, depois da escola, Flor veste seus trajes típicos, enfeita o pequeno Juanito e sai pelas ruas de Cusco abrindo a saia e o sorriso para os turistas que querem tirar uma foto ao seu lado por alguns soles. Flor estranha quando começo a conversar com ela -- está acostumada a ser paisagem para a maioria das pessoas com quem cruza. Mas logo se solta, senta do meu lado e pergunta se quero brincar de adivinhação. Topo na hora. Ela diz a primeira letra e me desafia a adivinhar os nomes de cada um dos seus irmãos; dos pais, dos outros lhamas que vivem com a família. Vai me dando dicas, se diverte com os meus chutes. Depois, tenta adivinhar meu nome, minha idade, o mês que nasci, o isso e o aquilo. Faço cafuné na cabeça macia de Juanito, ele fecha os olhinhos, aproveitando o carinho, enquanto Flor propõe outro jogo. Agora tenho que descobrir um enigma fazendo três perguntas. Erro feio e a menina ri muito, esquecida dos turistas e seus soles. Volto pro hotel meio triste, pensando em Flor e seu Juanito, dois pequenos inventando um jeito de brincar nas ruas de Cusco.

(ST)                     

11 de jul. de 2011

Frescor

As palavras precisam fazer ginástica. Sem exercício, elas também enferrujam, perdem a força e o ritmo; o fôlego e a resistência. Vão ficando cada vez menos flexíveis, sem musculatura e, pior: preguiçosas. Como já não têm energia pra se articular em novas posições, acabam ocupando os lugares de sempre, sem ânimo pra tentar um salto surpreendente nem disposição pra se aventurar por uma caminhada mais longa e, claro, sem a menor condição de encarar uma maratona. Com o tempo, endurecem, como se estivessem engessadas, e muitas vezes engordam de forma deselegante, cedendo à tentação de se empanturrar com adjetivos doces demais. Só o treino constante mantém as palavras na sua melhor forma: enxutas, arejadas e com um frescor de coisa viva.  

(ST)  

8 de jul. de 2011

Perto

Gosto muito do trabalho da ilustradora argentina María Wernicke e gostei especialmente do seu "Papai e Eu, Às Vezes", publicado aqui pela Callis, com tradução da querida Carla Caruso. Fiquei namorando o livro desde a primeira folheada, na feira de Bolonha, em março, e ontem finalmente comprei o meu exemplar pra  passear sem pressa na garupa de tantas imagens lindas, como essa aí em cima: é bom lembrar que, às vezes, a gente pode fechar os olhos e se deixar levar por alguém que conhece o caminho.

(ST)

7 de jul. de 2011

Missão impossível

A coisa não vai pra frente: toda vez que tento arrumar a estante, aparece algum livro convidando pra bater papo no sofá.

A ilustração veio daqui.

(ST)

6 de jul. de 2011

5 de jul. de 2011

Brrrrrrrrrr (2)

Embaralhadas debaixo do cobertor, as palavras preferiram continuar dormindo, encolhidas de frio.

(ST)

4 de jul. de 2011

Medo

Ele gosta de se esconder debaixo da cama, quietinho ou sussurrando pesadelos. Prefere a noite escura, mas às vezes aparece sob a luz dos refletores, sobe no palco e rouba a cena quando a gente tem que falar em público. É verdade que até pode ser divertido encontrar com ele na montanha-russa ou no meio de um filme de terror. E tem quem ache emocionante encarar uma aventura ao seu lado, nas alturas ou nas profundezas radicais. Mas em geral ele não é bem-vindo. E não pode dar moleza: se o danado começa a rodear sem mais nem menos, é bom ir dando logo um sonoro xô antes que ele se instale, sem fazer a menor cerimônia. Quando tem espaço, ele se espalha tão rápido que acaba deixando a gente encurralada num cantinho, sem conseguir se mexer. 
Bom é quando dá pra virar o jogo: você topa com aquele monstro na beira do trampolim, mas daí prefere fechar os olhos, respirar fundo e ir em frente. Então descobre que, às vezes, é justamente o medo que ajuda a gente a ter coragem de saltar. 

(ST)

1 de jul. de 2011

Homem-ditado

Quando eu era pequena, achava a maior graça sempre que meu avô dizia: “boca fechada não entra mosquito”. Ficava imaginando porque um mosquito ia querer entrar na boca de alguém com tanto espaço pra voar. Mas ele era severo e não se divertia comigo. Hoje em dia acho até que meu avô se ofendia, como se eu estivesse debochando de uma das suas máximas. Ele sempre tinha uma na ponta na língua pra retrucar ou comentar e principalmente pra encerrar qualquer conversa. Velhinho, ele virou uma espécie de homem-ditado -- dependendo do assunto, a gente já adivinhava o arremate: lá vem a história do silêncio de ouro, agora ele vai dizer que seguro morreu de velho ou que mais vale um pássaro na mão etcétera e tal. Fui crescendo, parei de achar graça e comecei a sentir certa compaixão pelo meu avô, aprisionado nessas frases feitas, cheias de verdades chatas. E cada vez que ele ameaçava soltar um desses provérbios embolorados, era eu quem tinha vontade de dizer: “boca fechada não entra mosquito”.   

(ST)              

30 de jun. de 2011

Poesia de letra

Quando o ci sne aparece deslizando no seu Esse
O Ó da lagoa até treme nas ondinhas do Ene   

(ST)