29 de nov. de 2011

3 formas diferentes de classificar as nuvens

Como:
1. Um bom motivo pra olhar mais vezes para o céu
2. Um ótimo lugar pra se colocar a cabeça
3. O melhor jeito de lembrar que todas as tempestades desmancham

28 de nov. de 2011

5 motivos pra gostar de vento

1. Varre o chão sem vassoura
2. Funciona como uma espécie de ar condicionado pras árvores
3. Leva e traz cheiro de chuva, de bolo e de flor
4. Muda o desenho das nuvens
5. Faz a gente lembrar que as coisas invisíveis existem

27 de nov. de 2011

Domingo

As palavras espreguiçam sem pressa de se dizer. De pijama, andam pela casa silenciosa, ainda sonolentas e embaralhadas. Depois flutuam no gosto do café e olham o céu através da janela, acordando devagarinho como os ruídos do domingo.

24 de nov. de 2011

Bicicleta a bordo

Raramente clico naquele globinho que fica girando lá no final da página, mas, ontem, a presença online de um visitante "indefinido" me deixou curiosa: como assim? Fui checar e descobri esse pontinho amarelo passeando na minha bicicleta perto da Costa do Marfim -- taí um internauta que leva a coisa a sério, navegando literalmente pela blogosfera.

23 de nov. de 2011

Tempo

Ela nasceu no final de novembro de 2000. Tinha três meses quando veio morar com a gente, uma gata branquinha e pequenina, dando susto sempre que desaparecia dentro de um tênis ou no fundo de uma gaveta. Meu filho, com seis anos na época, foi logo batizando a bichana de “Miúda”. Franzina ela era mesmo, mas também tão temperamental que rapidamente ganhou um sobrenome: Miúda Felina. Na prática, o que colou mesmo foi o apelido, Miú, muito mais adequado, e por dois motivos simples: com a convivência, o tal gênio amansou, dando lugar a um serzinho ronronante, macio e brincalhão; o segundo motivo é que, em poucos meses, aquela criaturinha já não tinha nada de miúda: virou uma gatona amarronzada, siamesa elegante com porte de leoa.
Neste seu 11º novembro, ela completa uma idade que equivale aos nossos 60 anos. Está mais cheinha, menos ágil, dorme por horas a fio, conversa menos. O menino que foi criança junto com a gata virou um adolescente alto, magríssimo, inquieto e falante. Está às vésperas do vestibular e do primeiro mochilão, com tudo por começar -- num único tempo, dois tempos correndo juntos em direções opostas.

22 de nov. de 2011

Prato do dia

O arroz é branquinho
Quando está sozinho
Mas muda de gosto e de cor
Com qualquer caldinho

A palavra é como o arroz:
Quando está só, diz uma coisa
E também pode dizer outra
Depende do que vem depois

Se o tempero é diferente
O arroz e a palavra surpreendem
Cada vez é uma história
Abrindo o apetite da gente
...
Hoje o dia vai ser bem saboroso: vou conversar com os pequenos da Escola Building. O cardápio promete.

19 de nov. de 2011

Baile

O vento assobia baixinho
A árvore fica assanhada
Folhas se agitam e animam
Sombras dançando na calçada

18 de nov. de 2011

Algodão doce

Certas ideias são assim: começam como aquela nuvem branca com tons de rosa surgindo feito mágica em volta de um palito. A imaginação sente o gostinho e vai tecendo uma trama que parece deliciosa. A miragem dá água na boca, mas é só isso: a ideia-algodão doce logo se desfaz no papel como uma nuvem desmanchando no ar.

16 de nov. de 2011

A casa triste

Depois de tanto banho de sol e de chuva, a placa "vende-se" amarelou. A outra, que dizia "aluga-se", sumiu no emaranhado de folhas do jardim que envelheceu rabugento e solitário, sem visita de passarinho. Lá no fundo, o tempo enferrujou no portãozinho que alguém esqueceu de fechar, deixando pra trás a casa que, um dia, foi branca. Pelo vidro das janelas, procuro mistérios e fantasmas, mas só vejo a tristeza que ficou morando lá.

12 de nov. de 2011

10 de nov. de 2011

No metrô

Eles devem ter 16, 17 anos, no máximo. Ele fala o tempo todo, faz gestos largos, não para quieto no banco. Ela escuta com olhos encantados. De vez em quando, dão muita risada. Ele esfrega as mãos nas pernas de jeans, ela enrola o dedo no cabelo. Estão se apaixonando, e levantam ao mesmo tempo pra desembarcar na estação Paraíso.

9 de nov. de 2011

Receio

É um pontinho de interrogação que fica se disfarçando entre reticências porque tem medo da resposta.

7 de nov. de 2011

Palavras

Quando estou lendo, gosto de ser surpreendida por palavras que não conheço. É claro que isso não pode acontecer a cada duas linhas porque, então, o que seria prazer vira uma chatice. Mas topar aqui e ali com uma palavra nova sempre me provoca: mesmo quando não é difícil intuir seu significado dentro do contexto geral, faço uma orelhinha na página e depois vou conferir no dicionário. Dias atrás fui checar a palavra “plasta”, que aparece no juvenil “ A Mocinha do Mercado Central”, de Stella Maris Rezende. Na hora, gostei da estranheza do som, mas não cheguei nem perto do que o Houaiss me contou: plasta é qualquer coisa branda, moldável como o barro e que também nomeia a pessoa lerda, inábil. No final de semana, lendo “Infinitos”, de John Banville, me encantei com “solipsista”, e acabei descobrindo o solipsismo, doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações – por extensão de sentido, o termo é usado para definir a vida e os hábitos de um indivíduo solitário, como o protagonista do livro.
Mas não é só nos livros que esbarro com novidade: hoje ganhei uma caixinha de sabonetes linda e fiquei tentando adivinhar de que fruta era aquele perfume. Teria matado a charada na hora se soubesse que "dióspiro" é o nome do nosso caqui em Portugal.

5 de nov. de 2011

Do vovô James Joyce

Por conta de um comentário que o blog Mercury Drops deixou hoje num post antigo, fui procurar e acabei relendo a história que James Joyce escreveu para o seu neto em 1936. O livro faz parte de uma coleção muito legal publicada pela Record -- o meu é de 2000, já na 8ª edição, com tradução de Antonio Houaiss e ilustrações de Roger Blachon. Talvez só seja possível encontrar o título em sebos, mas vale a pena. Segue o post de 2007:

Um infantil de Joyce? Pois é, "O Gato e o Diabo" é uma das histórias que J.J. contava para Stephen Joyce, provavelmente a única que ficou registrada, já que foi escrita em uma carta que o avô mandou para seu "querido Stevie" em 1936. O conto é curto e tem P.S. do autor no final: "O diabo fala de preferência uma língua dele mesmo chamada belzebulenga, que ele inventa conforme vai falando, mas, quando ele está com uma bruta raiva, pode falar um notável mau francês muito bem, embora alguns dos que o ouviram digam que com um forte sotaque de Dublin". Joyce assina a carta-livro com um carinhoso "nonno".

4 de nov. de 2011

Calma

O coração escuta e logo começa a bater num compasso mais suave. Os pensamentos também param pra ouvir e aos poucos vão mudando de tom. Calma é assim: uma música que ecoa sem fazer alarde, mudando o ritmo de tudo dentro da gente.

3 de nov. de 2011

Ritual

Começo a trabalhar e a gata logo aparece no escritório. Desliza pelo tapete, silenciosa, checa os cantos de sempre, para pra investigar quando encontra alguma novidade, mas invariavelmente termina entre as minhas pernas, desenhando oitos enquanto se estica pra lá e pra cá. Depois salta pra cima da mesa, contorna as pilhas de livros e papéis sem tirar nada do lugar e segue rumo ao roteador quentinho, onde se aninha pra primeira soneca do dia. Adormece em segundos ouvindo o tec-tec-tec dos meus dedos no teclado -- uma mesma cantiga ninando a gata e acordando as palavras.

1 de nov. de 2011

Mandinga

"Quando eu era pequena e queria muito que uma coisa acontecesse – ou não acontecesse -- eu fazia umas 'promessas'. Quer dizer, era mais como uma espécie de combinado mágico. Por exemplo: às vezes eu percebia que meu pai ia ficar triste. Isso acontecia toda vez que ele começava a ouvir umas músicas que ele só ouvia quando estava daquele jeito, querendo ficar triste. Na mesma hora eu inventava um combinado. Podia ser qualquer bobagem como ficar somando os números das placas dos carros que passavam na minha rua até dar 18, dia do meu aniversário, ou ficar quieta durante 18 minutos, sem falar uma única palavra. Coisas desse tipo. Parecia mágica, sempre dava certo: assim que o 18 aparecia, o telefone tocava, meu pai atendia e começava a conversar. Acabava esquecendo da música e da tristeza".

Trecho de "As Namoradas do Meu Pai".