30 de nov. de 2010

Acordar

Mesmo quando o dia amanhece com cara de choro, a conversa dos passarinhos canta.

(ST)

29 de nov. de 2010

Tempos



O tempo corre, congela ou demora
Tudo depende do que acontece em cada hora
O segredo é lembrar que entre o antes e o depois
Mora o tempo que se chama agora

Trecho do "Mistério do Tempo", ilustrado pela Cecília Rébora.

(ST)

26 de nov. de 2010

Felicidade

Presa num vaso de barro
Perto da parede amarela
A árvore se estica até o teto
Só pra olhar pela janela

(ST)

25 de nov. de 2010

Tempestade

Depois de um dia de sol, as nuvens ficaram de cabeça quente e começaram a brigar. O vento apareceu e até tentou refrescar a situação, mas logo teve pancada de chuva e o céu fechou a cara, emburrado, dando bronca com voz de trovão.

...
Acho que o verão está começando.

(ST)

Cine aquarela

Vendo os desenhos de Akira Kurosawa a gente entende porque as cenas de seus filmes parecem telas. São mesmo. Esse é o "Sei Voar: Guiado por um Anjo" que acabou não sendo filmado em "Sonhos". A exposição dos storyboards vai até o próximo dia 28, no Instituto Tomie Ohtake.

(ST)

23 de nov. de 2010

Matemática

A menina não entende a raiz quadrada
A língua dos números é complicada
 
A menina não entende trigonometria
Só vê lógica na poesia

(ST)

22 de nov. de 2010

Momento bilíngue

Pode acontecer no caixa do supermercado. A moça pergunta se encontrei tudo o que estava procurando e, de repente, o rumo de uma história abandonada há tanto tempo "aparece" entre as frutas e as verduras. Às vezes funciona assim: a gente tem que estar distraída pra encontrar a resposta de alguma coisa. 
Mas, de vez em quando, a tal resposta vem justamente quando a cabeça está concentrada em outro assunto. É mais ou menos como começar a pensar em italiano no momento em que preciso falar em inglês – acontece com vocês? Parece que o exercício de uma língua mexe com a musculatura da outra. É assim também com os textos. Ando tão compenetrada na pesquisa e no assunto de um novo livro que tem sido difícil ter outras ideias, até mesmo pra escrever aqui. E eis que, no meio de um tema completamente diferente, vejo a saída – ou pelo menos, uma chance de continuação – pra desenrolar aquele nó que estava arquivado numa pastinha do computador. A história adormecida desperta do nada com a maior disposição, intrometida e falando "em outro idioma". É uma confusão. Pode ser só conversa mole ou até certa inveja da história que está sendo escrita. De todo jeito, é bom ouvir de novo essa língua esquecida, perceber que ainda reconheço algumas palavras e que talvez ainda seja possível, em algum momento, voltar a viajar por esse outro país.   

(ST)       

19 de nov. de 2010

Aquarela

Água sobre o azul
Desenha o mar
Desmancha as ondas


Sexta-feira é dia de fazer arte na casa da May Shuravel, com a Carla Caruso, a Maria Amália Camargo e a mestra Maria Eugenia. E como não tenho nenhum talento com as tintas, sigo tentando desenhar com as palavras.

(ST)   

Diário de outra bicicleta

 
 
Viciei na Carol, personagem e nome do livro novo do Laerte.  

(ST)

18 de nov. de 2010

Dos livros

Hoje cedo reli "Um Coração Simples" e, de novo, fiquei com o meu (coração) meio apertado com a história de Félicité e seu papagaio. Recoloquei a tristeza de Flaubert na estante e me preparei pra começar a trabalhar, mas, antes, resolvi dar uma olhada no "Meio Intelectual, Meio de Esquerda", do Antonio Prata, que comprei ontem, a pedido do meu filho. Li a primeira crônica, engatei na segunda e fui saboreando as seguintes até a hora do almoço, com muito prazer.      
Sair de um livro, entrar em outro, e o mundo muda de repente.

(ST)

16 de nov. de 2010

Das ideias

Vivo atrás delas desde que me conheço por gente. Buscar ideias sobre o que escrever e, principalmente, como escrever, era rotina da minha vida de jornalista. Hoje em dia, a pauta é outra, mas a missão não mudou. É claro que a experiência ajuda, mesmo assim ainda me engancho em certas ideias-chiclete. Às vezes é uma frase que vem pronta, colorida e saborosa, cheia de promessas, só que não passa disso. Leio e releio, tentando descobrir o que virá depois, insisto e geralmente empaco -- é exatamente como um chiclete que vai perdendo o gosto, só que a gente continua mascando porque não sabe onde jogar. Já escrevi sobre as ideias-algodão-doce: essas não chegam prontas, só se insinuam, perfumadas e apetitosas, como aquela nuvem branca que vai surgindo feito mágica em volta do palitinho. O problema é que essa também perde a graça rapidinho-- costuma ser excessivamente melada, não tem conteúdo e se desmancha no ar. As ideias-ioiô vão e vem, mas têm mais chance. Às vezes, até demora um tempo pra gente pegar o jeito da coisa. Mas quando o nozinho está firme e no dedo certo, é só enrolar a ideia de novo e ficar exercitando. Em certo momento, o ioiô começa a rolar com firmeza. Daí vai longe, volta forte e tudo se encaixa.

(ST)

11 de nov. de 2010

Onde é longe?

                           
Sempre é gostoso encontrar com os pequenos, mas ontem, na 18ª Feira Cultural da Creche da USP, foi bem especial. Todo mundo tinha opinião sobre a história do mar começar ou terminar na areia, uma das perguntas do livro "Como Começa". E todos queriam saber onde fica, afinal, o meu "Longe". O livro virou tema de um trabalho muito bacana conduzido pelos professores: as crianças lembraram de alguém querido que está longe, de algum jeito. Depois, escolheram um fio da cor que, para elas, simbolizava a falta que essa pessoa faz, e ainda determinaram o comprimento desse fio, como se fosse uma espécie de fita métrica da saudade. Tudo isso foi parar num cartaz em que as próprias crianças se desenharam, com seus respectivos fios saindo delas até o "longe" de cada um -- o da distância, o da ausência e o da perda.
 "Minha avó morreu e ela está no céu, que é muito longe. Sinto falta do abraço dela".
...
"Tenho saudades da minha amiga Alícia. Ela foi morar na Espanha, que é um pouco longe".
...
"Meu pai e minha mãe brigaram. Daí, minha mãe achou melhor separar pra não ter mais brigas. Eu ligo pra ele e a gente conversa pra não ficar com muita saudade".
 
Os meninos me cercaram logo que cheguei. O Uyratã (esse bem sério, de pé, à direita) se apresentou dizendo que era meu fã e ainda fez questão de mostrar que sabia de cor vários trechos do "Como Começa". Fizemos muitas fotos, mas nem precisei escolher qual iria publicar: só podia ser essa, que eles acharam "da horíssima". Meu dia também mereceu esse superlativo.     

(ST)

10 de nov. de 2010

Chove chuva e passarinho


Cheguei no finzinho da tarde e já ia abrir a janela pra retirar as frutas da manhã quando esses dois sanhaços apareceram. Nem a ameaça de tempestade nem a árvore chicoteando o vidro espantaram a dupla de cima do melão. E quando achei que a farra estava terminando, apareceram mais dois pra ajudar a dar cabo da outra fatia.
 

Parece que a chuvinha abriu o apetite da turma.

(ST)

Agenda

O dia promete: tenho um encontro marcado na tenda de livros da 18ª Festa Cultural  da Creche da USP com várias turmas de alunos de 5 anos que já estão lendo o meu "Como Começa".

(ST)

8 de nov. de 2010

Hoje

O vento não quis conversa
Passou rápido e nem deu bom dia
Bateu portas, ventando pressa
Sem vontade de fazer poesia

(ST)

5 de nov. de 2010

Onde

No andar silencioso do gato, na flor que aparece na rachadura da calçada, num travesseiro macio e cheiroso, na primeira fatia do pudim de leite, sentindo a brisa do mar à tardinha, no ritmo do poema, no salto da bailarina, no sorriso grátis no elevador.
A delicadeza tem muitos jeitos de se revelar.

(ST)

4 de nov. de 2010

Os nojentos

São muitos e moram todos juntos, na mesma caixa. Várias aranhas gosmentas, uma lagartixa molenga, duas baratas pretas, um rato cinza peludinho, o sapo borrachudo e mais um monte de cobrinhas e minhocas pegajosas que vivem se enroscando. No meio de tudo, pedaços de coisas que já foram cobras e minhocas ou qualquer outro bicho nojentamente dilacerado. De vez em quando, uma das aranhas aparece no meio dos lençóis da cama de alguém, as baratas invadem a cozinha e o sapo gordo vai pra escola, dentro da mochila. O menino adora pregar susto em todo mundo, mas se diverte mesmo sem isso. É só abrir a caixa e espalhar a turma no chão do quarto pra começar uma história bem nojenta com a lagartixa grudando no rato ou o sapo abocanhando um ninho de minhocas.
Não sei que fim levou a caixa dos nojentos, assim como tantos outros brinquedos da infância, mas, até hoje, quando meu filho entorta a boca e franze o nariz, vejo aquele menino fazendo careta pra barata. Agora, quem me prega susto é o tempo que passou tão depressa.

(ST)

3 de nov. de 2010

Princesas

Vejo a moça vestida de noiva entrando na igreja, lembro da menina que ia pra escola com a roupa da Branca de Neve.
Era uma vez o sonho.

(ST)

1 de nov. de 2010

O tesouro

Dentro do porquinho cor-de-rosa não tinha nenhuma moeda. Só as palavras mais preciosas que ela guardava com cuidado, enroladas em tirinhas de papel.
...

Ainda passeando pelos dicionários, lembrei desse texto, já publicado aqui.

(ST)