28 de nov. de 2014

simulacro

rosa de pano, maçã de cera, joia de vidro
-- e certos sorrisos --:
tantas coisas iludem o olhar distraído

22 de nov. de 2014

18 de nov. de 2014

agitação

Árvore crespa, cabelo despenteado, pensamento inquieto: o dia amanheceu espalhando vento.

12 de nov. de 2014

porto pra lá de alegre

Estou em Porto Alegre, participando da 60ª Feira do Livro e visitando escolas da cidade. Sempre é muito gostoso, mas foi bem mais do que isso com essa turma animadíssima da Escola Municipal João Goulart. Fui recebida com entusiasmo, e não só: trabalhos sensacionais, orientados por professoras muito bacanas, transformando meus livros em pontos de partida prum monte de discussões interessantes. A professora de matemática, por exemplo, conseguiu fazer contas com o "Buááá!", organizando, em gráficos, quantas vezes cada um chorou por qual motivo -- esse aí embaixo dá conta de registrar choros de alegria:

Em outra classe, o assunto foi o "Mistério do Tempo", inspirando uma série de relógios incríveis! Que tal este marcando tão bem a ideia do nosso tempo virtual?

Criatividade sem limites também nos livrinhos produzidos pelos pequenos, com direito a mudanças no rumo da história e também no título: o "O Patinho Culpado", por exemplo, ficou "Humilhado": 

Delícia. 

8 de nov. de 2014

despedida

Miúda Felina é uma gata longeva. Dizem que seus quinze anos equivalem a setenta e tantos dos nossos, mais de oitenta dependendo da raça. Seja quanto for, é muito, mas até a semana passada eu não pensava nisso, ou preferia não pensar. É verdade que já faz tempo que ela deixou de ser ranzinza e temperamental como a Araci, a gata da bruxa Creuza; há muito parou de se meter em encrencas como a Princesa, do “Fala, Bicho!”, e também já não é tão saliente como a Sorte, companheira da protagonista do “As Namoradas do Meu Pai”. Com os anos, ficou mais dócil, silenciosa, quase não mia, dorme muito, mas continua inspirando os personagens felinos das minhas histórias.
Dias atrás, Miúda ficou doente pela primeira vez. Correria, pronto-socorro, exames e um diagnóstico previsível – o problema é sério e crônico como a própria velhice.
Enquanto escrevo, ela tira uma soneca, acomodada sobre o roteador quentinho. De vez em quando abre os olhos e fica piscando pra mim -- o oi mais azul que recebo todos os dias --, como se quisesse dizer: tá tudo bem. Depois muda de ideia, chega perto e, com toda a intimidade dos nossos quinze anos juntas, pula no meu colo. Antes de voltar a dormir, olha pra mim como se soubesse que estou escrevendo sobre ela. Sobre a saudade que já estou sentindo de você, minha Miúda Felina.

(*) mais trabalhos do artista plástico Endre Penovác aqui.

5 de nov. de 2014

abelha


Por causa da chuva inesperadamente forte, fechei os vidros do carro e avancei devagar, tentando enxergar através da enxurrada de pingos grossos que o parabrisa não dava conta de dissolver. Achei que estava sozinha, mas não: éramos eu e a abelha. Medo e prudência deram a ordem: não se mexa! Então continuei dirigindo como se não estivesse aflita com a tempestade e a abelha e a vontade de sair correndo dali, trocando a marcha e girando a direção com movimentos mínimos, ao contrário da abelha que começou a voar em giros desesperados pelo interior do carro, zumbindo ameaçadoramente cada vez que batia num dos vidros, atraída pela claridade. Num gesto corajoso, me mexo rapidamente, alcanço a maçaneta da outra porta e abro uma fresta da janela, mas a abelha, estranhamente, não aparece. Presto atenção, mas já não ouço o zumbido, só a chuva espalhando seu barulho e água pelo banco do passageiro. Por um momento, penso que a abelha se foi, respiro aliviada e fecho o vidro. Então vejo: a mancha amarelo-escuro sobre o painel preto, parada, quieta, ao meu alcance: presa fácil de um lenço de papel certeiro. O plano é simples, mas não posso falhar, sob o risco de despertar sua ira. Chego a puxar um lenço da caixinha quando, de repente, ela se move, lentamente, deslizando pelo painel até parar de novo, agora quase na minha frente. Por um momento, eu e a abelha: frágeis, presas na mesma armadilha, com medo uma da outra. Amassei o lenço de papel e abri completamente o vidro da minha porta: a abelha ainda hesitou um instante, intimidada pelo vento forte, mas num ímpeto alçou voo, confiante, e despareceu no meio da chuva, agora mais fraca, pingando só uma lembrança de  tempestade.

4 de nov. de 2014

maravilha

a chuva acordou o dia
com barulho e ventania

depois virou garoa fina
e choveu poesia

pingos de brilho
no cabelo da menina