26 de abr. de 2012

Felicidade

Presa no vaso de barro
Num canto da sala amarela
A árvore se estica até o teto
Só para olhar pela janela

Seus galhos mais altos
Acenam para o vento
Curvados, convidam o sol
Para entrar no apartamento

23 de abr. de 2012

O descanso do guerreiro

 
23 de abril: depois de festejar o dia inteiro, São Jorge relaxa nas nuvens de May Shuravel.

As reflexões do espelho



E nos bastidores da história... 

Xi, lá vem ela. Não falha um dia, é impressionante!
Era uma vez a história de sempre, então tenho que aguentar e dizer: ok, você é bonitona mesmo, a mais-mais tudo e blábláblá. Fazer o quê? Sou um espelho mágico, é verdade, mesmo assim sou obrigado a seguir o roteiro. Acontece que paciência tem limite até no mundo da fantasia: confesso que toda vez que a lenga-lenga recomeça fico contando os minutos até o momento em que finalmente posso dar um choque de realidade nessa bruxa. Mas, aí, ah... É uma delícia! Não sei se o pessoal percebe, mas vibro tanto que chego a ficar com medo de trincar.       

A ilustração é da Maria Eugenia.

18 de abr. de 2012

Um lugar

Ainda faltam algumas marteladas até que o trio do barulho -- seu Luis e seus dois simpáticos assistentes -- termine a obra aqui em casa. Enquanto isso, vou tentando me ajeitar ora na copa ora na única poltrona disponível, na sala, com o laptop no colo e a cabeça nas nuvens, flutuando em busca de um lugar imaginário, onde seria possível escrever. Não vejo a hora de ter meu sossego de volta, mas, quando a reforma acabar, acho que não vou recomeçar a rotina imediatamente: vou sair por aí, tomar um café, sem pressa, só pra ter o prazer de voltar e reencontrar o meu lugar. Pensando nisso, lembrei do conto "Felicidade Clandestina” em que Clarice Lispector descreve o sofrimento de uma menina que passa dias e dias à espera de um livro que a coleguinha promete emprestar. Com requintes de crueldade, a amiga, que é filha do dono da livraria, inventa todo tipo de desculpa esfarrapada pra adiar o empréstimo e saboreia cada minuto da angústia da menina, exercendo um prazer perverso de quem tem total controle da situação. Quando finalmente recebe o livro tão desejado, com permissão pra ficar com ele quanto tempo quiser, a garota não vai direto ao pote. Antes de matar a sede, numa espécie de agonia às avessas, vai adiando o momento de abrir o livro, finge que esquece que ele está ali, disponível só pra ela, até o dia em que deita numa rede e mergulha, em êxtase, nas “Reinações de Narizinho". Eu também, cada vez mais perto da última martelada, vou estendendo a minha rede imaginária e já me sinto clandestinamente feliz.

16 de abr. de 2012

Fala, bicho!


-- Por que você está andando pra lá e pra cá feito barata tonta?
-- ...
-- Alguém andou botando minhocas na sua cabeça? Me conta!
-- ...
-- Por acaso virei o bode expiatório de alguma intriga?
-- ...
-- Ah, diz alguma coisa! Ou será que o gato comeu sua língua?
-- ...
-- Então é assim? Vai continuar fazendo boca de siri?
-- ...

-- Tudo bem! Não quero nem saber de conversa mole pra boi dormir.
-- ...
-- 
Mas se não for... Pode tirar o cavalinho da chuva: não sossego até descobrir tudo!

-- ...

-- Quer dizer que vai ficar com esses grilos e, ainda por cima, mudo?

-- ...
-- Hmm, entendi! Você quer mesmo é colocar uma pulga atrás da minha orelha...
-- ...

-- Ah-ha! É isso, acertei na mosca! Então, chega de baboseira e...
-- ...

-- ... Será que...? Veja lá: não vá confundir gato com lebre!

-- ...
-- Macacos me mordam, esse seu silêncio vai acabar me deixando com febre!

-- ...

 - Como um amigo pode fazer isso comigo? Não dá pra engolir esse sapo!
-- ...

-- Quer dizer, amigo da onça, né? Seu traidor, ingrato!
-- ...

-- Eu nem sei o que aconteceu e ainda pago o pato?
-- ...

-- Ah, que saber? Vá pentear macacos!

12 de abr. de 2012

Agá e suas chateações

Eu devia ter lido meu horóscopo antes de aceitar o convite pra vir aqui. Essa história está mexendo com o meu humor! Não é de hoje que me sinto humilhado – é horrível não ter voz! Estou no hálito, mas não tenho cheiro, percebe? 
Acontece que as vogais me ignoram, e não há nada que eu possa fazer. Por isso, não tenho gosto no hambúrguer nem na hortelã; anuncio o horizonte que qualquer um pode ver, mas ninguém me ouve! Sou sempre o primeiro a entrar no harém, só que passo despercebido mesmo assim. Não solto nem um gemidinho mesmo quando levanto halteres de trocentos quilos. Haja paciência! 
Só eu sei o quanto sofro na companhia dessa quadrilha – é isso mesmo: qua-dri-lha! – composta pelos “colegas” A, E, I, O, U. Mesmo assim, convivo com o A em harmonia; sou heroico na frente do E; obedeço à hierarquia imposta pelo I; mantenho a honestidade e a humildade diante do O e do U. 
É difícil ser uma letra-espelho, mas, apesar de tudo, me sinto honrado desempenhando minha função e brilho quando me vejo por escrito! Pena é ter que suportar aquela perguntinha habitual, sempre em tom de hesitação: “Será que é com Agá?”. Hoje, sim; ontem, não!
...
(Trecho do desabafo do Agá pra comemorar o lançamento do "Zum-zum-zum das Letras") 

11 de abr. de 2012

Oba!


Livro novo saindo do forno, com ilustrações e projeto gráfico do Guto Lacaz.

Outono

O som triste do "u" soprou entre as árvores avisando que as folhas logo vão começar a cair, e o trio de "os" saudou o amanhecer manchado de rosa e lilás.
Hoje cedo o outono se disse com todas as letras. 

9 de abr. de 2012

O Livro de Todas as Coisas

Dias atrás citei o escritor holandês Guus Kuijer, premiado com o Hans Christian Andersen de 2010 e, agora, com o importantíssimo Astrid Lindgren. Confesso que nunca tinha ouvido falar dele até o anúncio do prêmio, na Fiera del Libro per Ragazzi, em Bolonha e, por lá, só encontrei um livro desse autor, em italiano. A boa notícia é que seu título mais famoso já foi publicado aqui, no ano passado, pela WMF Martins Fontes, com tradução de Mirella Traversin Martino. Não consegui desgrudar até chegar ao final de "O Livro de Todas as Coisas"--  e estão todas lá, sem concessões, sem maquiagem, mas, ainda assim, cheias de poesia. Simplesmente o máximo.

"Então o pai levantou e deu um tapa no rosto dela. A mãe cambaleou e soltou Thomaz. 
Os anjos do céu cobriram os olhos com as mãos e soluçaram alto, porque é isso que eles fazem cada vez que um marido bate na mulher. Uma tristeza profunda se abateu sobre a Terra.
(...) 
Thomaz sentou perto da janela e olhou para fora, mas não conseguia pensar. O mundo estava vazio. Tudo o que existia tinha sido eliminado do seu pensamento. Só havia barulho. Ele ouviu o barulho do tapa na bochecha macia da mãe. Ouviu todos os tapas que a mãe já tinha levado, uma chuva de tapas, como se estivesse chovendo granizo na rua Jan van Eyck e as folhas estivessem sendo arrancadas das árvores".


5 de abr. de 2012


Da livraria L'Angolo Delle Storie, que fica em Avelino, cidadezinha do sul da Itália, direto para o meu mural no facebook: "Per sapere come le cose vanno a finire, c'è solo un modo: cominciare!", da Come Comincia?, di Silvana Tavano, illustrazione di Elma, Callis edizioni.
Isso é... felicità!

4 de abr. de 2012

Reforma (2)

 
Nada como uma reforma doméstica pra gente se sentir exatamente assim: desmanchando junto com as paredes. 

3 de abr. de 2012

Reforma

O martelo bate, a lixa arranha e a furadeira grita. No meio do caos, paira, tranquila, uma imensa nuvem de poeira, suspensa no seu próprio tempo, indiferente à minha urgência de me sentir de novo em casa.