30 de abr. de 2020

aladim

Sempre tive certeza que ele me chamou. De que outro modo eu teria notado um objeto tão pequeno e escuro perdido entre tantas miudezas misturadas naquela caixa? Perguntei o preço e percebi que o dono da barraca se surpreendeu – na mesma hora tentou dar ares de antiguidade à bugiganga. Pechinchei por praxe, teria comprado mesmo sem o mísero desconto. Ali estava a resposta, o sinal que eu buscava naqueles dias em que tudo parecia impossível.
Não teria sido difícil restaurar o brilho do cobre. Com uma mistura caseira de vinagre e sal, bastariam algumas esfregadelas para remover o azinhavre do tempo. Nunca fiz isso, esfregar pra quê? Não quero que ele saía lá de dentro me dizendo que só tenho direito a três desejos. Nos últimos vinte anos, conversamos muitas vezes, eu atenta, e ele, mesmo em vigília, não se fez surdo aos meus pedidos. É verdade que nem todos se concretizaram, e ainda bem – me dei conta de que já desejei muitas coisas que não importam. Até nisso ele se mostra genial.
Não gosto de incomodá-lo à toa. Ele está no lugar de sempre, na minha estante, adormecido, talvez sonhando com mil e uma histórias, ou quem sabe, à espera de que eu finalmente o liberte. Não sei o que aconteceria depois disso. Coisas que pareciam impossíveis já estão acontecendo, e temo que ele ficasse frustrado tentando resolver tudo num passe de mágica. Melhor que ele continue ali, emanando sua magia em pequenas poções -- acho que ele não faz ideia do próprio poder, talvez nem acredite quando conto do brilho que ele irradia lá de dentro: toda vez que olho, a lampadinha acende, como naquele dia, tanto tempo atrás, e nessa hora, eu sei: isso também vai passar.

11 de abr. de 2020

bombom

às 11 da noite, pulo da cama, visto uma malha em cima do pijama -- uma malha bonita – me penteio e desço correndo pelas escadas: chego em cinco minutos, dizia a mensagem, e já faz mais de cinco que olho pra rua deserta, o silêncio da noite ecoando o silêncio dos dias, 28 dias desde o último encontro, e nem percebo a saudade abrindo o portão do prédio, eu passeando pela praça vazia, na mão um bombom que lembrei de trazer, não é o que você mais gosta, mas é doce e macio, o abraço que não posso dar, amor embrulhado no gesto possível, penso, e de repente um vento frio me cobre de tristeza, mas não, não agora que a lua cheia aparece afastando as nuvens e ilumina o carro que dobra a esquina e buzina acordando a noite, e você: andamos lado a lado e você tem um ano, três anos, oito anos e todos os tempos giram entre nós enquanto vejo você tão alto andando entre as árvores que também cresceram, ainda a mesma praça e nós tão outros, falando de coisas sem importância, você diz que não aguenta mais comer grão de bico e rimos juntos quando conto do medo com a panela de pressão apitando histérica, e nós calmos, as palavras se entrelaçando feito mãos, o bombom já no seu bolso, caminhamos devagar em direção ao carro que sigo pela rua logo deserta outra vez, no silêncio que agora é paz.