29 de fev. de 2012

Verão

Noite quente
Lua amarela
Sol ardente

Noite quente
Céu estrelado
Mar prateado

Noite quente
Noite clara
Beleza rara

A ilustração é da Maria Eugenia.

28 de fev. de 2012

Bissexto

De tanto girar em volta do Sol
A Terra vai ficando cansada
E a cada dia que passa
Perde um tempinho na sua jornada

Seis horas em um ano não parece tão grave
O calendário até finge que não sabe
Mas depois do quarto atraso
É preciso dar um jeito no caso!

Tudo entra nos eixos com o ano bissexto
E seu dia extra: 29 de fevereiro
Incrível é que mesmo somando todo o atraso
Esse mês nunca fica inteiro

24 de fev. de 2012

Lapso

Um lapso se explica por si só. É como o seu próprio Pê: uma letra que escapa de repente e se intromete no meio da palavra, saliente e óbvia, mostrando que tem voz, mesmo quando parece muda.

22 de fev. de 2012

Tesouros

Aproveitei o feriadão para enfrentar uma tarefa que venho adiando há muito tempo: abrir uma pilha de pastas cheias de papéis que, um dia, foram importantes. Passei horas rasgando exames médicos, notas fiscais e garantias de coisas que já nem existem, e um monte de isso e aquilos que foram direto para o lixo com suas respectivas pastas. A única que voltou para o armário foi a pasta com os textos que escrevi dos 18 aos 20 anos -- contos que releio e agradeço aos deuses por não ter conseguido publicar nada naquela época. Só que, no meio dessa papelada, encontrei dois escritos muito especiais: num deles, a letra da escritora Lygia Fagundes Telles entre as linhas da minha Olivetti, com anotações e sugestões sobre um conto que havia sido premiado num concurso e que, durante uma entrevista, tive a coragem de pedir que ela lesse. No outro, a letra do poeta Carlos Drummond de Andrade, tão generoso quanto Lygia, respondendo à carta que eu enviara junto com um original que pretendia publicar, contendo um texto dele. Mais do que permitir a reprodução do poema, ele aconselhou: "...Apenas lhe pondero que se trata de um texto bastante longo. Não acha que seria mais próprio transcrever um trecho -- digamos, os 15 últimos dísticos (estrofes de dois versos) para tornar mais leve a citação?"
Não tive chance de citar o poema de Drummond porque o tal "romance" nunca saiu da gaveta. E o primeiro livro que publiquei, 24 anos depois, já não tinha nada a ver com aqueles textos. Ainda assim, não tenho coragem de me desfazer desses papéis: como a carta do poeta e o conto revisado por Lygia, esses primeiros escritos me contam uma outra história: a de um sonho -- o de ser escritora -- que ficou adormecido durante tantos anos dentro de uma pasta.

17 de fev. de 2012

Carnaval

Fantasia colorida
Pingos de confete
Chovem na avenida

...
A tela é do pintor Carybé.
Até quarta!

16 de fev. de 2012

Igual e diferente

E "O Mistério do Tempo" ficou assim:

Fui juntando lé com cré
até finalmente entender:
é só por causa do que a gente sente
que o tempo parece diferente

...
Gostei muito deste trecho:

No sé si el tiempo que pasó
va más lento que el de adelante.
Siento que el reloj del corazón
tiene otro ritmo: más emocionante.






Tomara que os pequenos argentinos também gostem da tradução de Maria Nazareth Ferreira Alves.

14 de fev. de 2012

Bichos

A pressa é um pernilongo agitado. Fica rodeando com aquele zum-zum-zum irritante, não disfarça a presença nem a intenção: só quer mesmo é sugar uns goles do nosso tempo-sangue de canudinho. A preocupação tem mais a ver com um mosquito chato. O danado não pica, mas fica lá, incômodo e feio, esperando um terromoto de braço ou uma ventania de mão pra sair de perto. Quando a preocupação cheira a desconfiança, a gente não vê, mas tem certeza de que tem pulga atrás da orelha. E quando ela salta, a coceira se espalha por toda parte. É diferente da dor forte de uma ferroada de abelha -- essa vai fundo e direto ao ponto. Machuca, arde e não para de latejar enquanto o ferrão não sai. Já a tristeza é uma aranha silenciosa, dessas que chegam de mansinho e vão tecendo uma teia invisível, com um emaranhado de nós que prendem na garganta e apertam o peito da gente.

10 de fev. de 2012

Escrever

Faz calor. Todas as janelas estão abertas e o ar da manhã entra devagar, tímido. Quase não se move: passa pelas portas sem fazer ruído, preenche os quartos sem frescor de novidade. Então olho pra fora, à procura de histórias no céu e na calçada, e mais uma vez escuto as palavras me chamando pra dentro, num sussurro que ecoa pelos cantos da casa.

8 de fev. de 2012

Lavanda

Embutido em uma das paredes do meu quarto, dorme um cofre. A peça já estava lá quando vim para esta casa e, mais por preguiça de encarar uma obra do que por desejo ou necessidade de ter um cofre, ele continuou ali, escondido, como sempre esteve, atrás de um quadro. Imagino que, no passado, o cofre guardou objetos de valor, papéis importantes, quem sabe quantos segredos de família permaneceram anos e anos calados lá dentro? Ontem, lendo "A Poética do Espaço" me lembrei dessa pequena caverna de aço encravada na minha parede e resolvi dar uma olhada -- atrás da porta apenas encostada, dei de cara com um passado que não me pertence, enclausurado num espaço vazio e escuro, cheirando a abandono. Pior: imaginei a reação de um eventual ladrão ao encontrar um cofre aberto e sem nada dentro, virando a casa pelo avesso pra tentar achar "riquezas" em outro esconderijo!
Decidi que a peça vai sair dali na próxima reforma. Até lá, o cofre segue disfarçado atrás do quadro, só que, agora, guarda ao menos o perfume de um sachê de lavanda.

5 de fev. de 2012

Sol

Quieto e quente o vento
Também quer descansar
Flutuando no azul de domingo
Com preguiça de ventar

A ilustração é da Maria Eugenia

3 de fev. de 2012

Tempo

Enquanto espero a divulgação da lista de aprovados no vestibular da Fuvest, passeio pelo blog e encontro neste post, de 2008, a mesma sensação: também hoje, aguardo o futuro já sentindo saudade do presente.
...
Último dia de aula. Meninas e meninos vão saindo dos carros enfileirados na porta da escola. Presa no congestionamento, vejo meu filho ajeitando a mochila nas costas, pronto pra atravessar a rua assim que o guarda der o sinal. Olho com carinho para essa cena que tenho visto tantas vezes nos últimos anos e, mais uma vez, tento reter cada detalhe na memória.
Quando ele finalmente cruza o portão e segue, confiante, sobre suas longas pernas finas de adolescente, tenho subitamente duas certezas: a de está tudo certo, e de que o tempo é uma ilusão.
Antes de virar à esquerda ainda arrisco olhar pelo espelho retrovisor uma última vez, mas ele não está mais lá. Retomo meu caminho levando junto a saudade que já sinto do presente.

1 de fev. de 2012

Falta

No meio da tarde, a saudade vem me visitar. Senta no sofá, aceita o cafezinho e vai ficando, indiferente às horas que passam. Não adianta olhar no meu relógio: é o dela que faz tic-tac no silêncio da casa, preenchendo o tempo com a falta que você faz.