13 de mar. de 2016

dani vai dançar

(…) Tenho onze anos e sempre dou um jeito de ficar doente ou inventar uma desculpa pra não participar das aulas de educação física. Mas hoje o professor não me dispensou e depois do aquecimento me convoca pra fazer parte de um dos times de vôlei. Não tenho chance de dizer que não sei jogar, minha boca trava, a voz desaparece pra sempre. Então ele me chama, do centro da quadra, apontando a posição que devo ocupar, e chama de novo porque não me mexo, na inútil esperança de que alguém se ofereça e me salve do desastre. Enquanto caminho em direção à quadra percebo um grupinho de meninas cochichando e rindo, na mesma hora tenho certeza de que estão falando de mim, por isso abaixo a cabeça e sigo, devagar, suando dentro do uniforme, desconfortável, desajustada, sempre eu. O jogo começa, a bola passa voando por cima da minha cabeça, uma vez, duas, e de novo, o time vai trocando passes como se eu não existisse, e de repente algo acontece, uma coisa por dentro, forte, uma espécie de raiva que me lança pro alto, é só um impulso mas me deixo levar e subo: meu corpo ultrapassa o limite da rede, o braço esticado e minha mão lá em cima, alcançando a bola antes das outras mãos com um toque certeiro, delicado, inesperado: marco um ponto para o time, todos comemoram. Pela primeira vez, aplausos.
trecho de "Dani Vai Dançar, meu conto em "A Vida é Logo Aqui", coletânea organizada por Nelson de Oliveira, pela editora Sesi-SP

7 de mar. de 2016

relicário


No começo, era só um vaso de barro não muito grande, duas mudas magrinhas, promessas de felicidade e fortuna enraizadas na mesma terra. Cresceram devagar sobre as pedras que iam chegando de tantos lugares, plantando ali histórias de rios, montanhas e dias de sol. Hoje as árvores tocam o teto da sala, abraçadas dentro de um vaso largo e amarelo, junto com os cristais transparentes, o buda da sorte, a corujinha de pedra-sabão da mãe, o enfeite que o filho fez numa noite de um natal distante. Gosto de rezar assim: regando a minha planta.

1 de mar. de 2016

gatos

a língua-lixa lambe
com delicadeza
varre a pele
com doçura
fala do afeto
com dureza
na língua dos gatos
amor rima com aspereza