25 de jun. de 2015

21

Você me olhou de um jeito tão sério que fiquei sem graça.
Tinha imaginado o nosso primeiro encontro de tantas maneiras, nunca assim: silencioso, quase solene. Eram 11 da manhã, fazia um frio danado lá fora, exatamente como hoje. Por um momento, a gente ficou se encarando com estranheza, ainda sob o impacto de termos sido separados -- o cordão que nos unia numa intimidade tão absoluta tinha sido cortado.
De repente, era assim: você e eu.
Diferente do que sempre pensei, o amor não explodiu, óbvio, imediato. Foi vindo devagar, dia após dia, e se tecendo forte, num laço invisível, macio e elástico, que segue crescendo à medida em que você também cresce.
Às vezes, você entra em casa e me dá oi daquele jeito sério. Vinte e um anos depois, reconheço o mesmo olhar da maternidade e, inesperadamente, sinto uma onda de amor que explode vendo você chegar mais uma vez.

24 de jun. de 2015

tempo

Às vezes acontece por conta de certas palavras, ou nem isso: é só o jeito de dizer. Uma música, um cheiro, coisas inesperadas de repente me levam pra outros lugares, como se eu estivesse sentada na cabine de um trem, sendo conduzida em alta velocidade enquanto olho pela janela e vejo a paisagem, imensa, passando devagar por todas as meninas que fui. Então reconheço a garota de uns 13 anos que se acha tão feia e boba e, num impulso, convido: vem comigo! Ela sorri e no mesmo instante já está dentro do vagão, pertinho de mim. Ajeito sua cabeça no meu ombro, aliso os cabelos longos e, juntas, adormecemos, ninadas pelo sacolejo rápido do trem, sonhando um tempo que nunca envelhece.

19 de jun. de 2015

um dia assim:

vento frio
tarde cinza
tudo se tinge de triste
a mesa
a xícara
a poesia
nada resiste

17 de jun. de 2015

8 de jun. de 2015

Péricles somos nós


um trechinho da história do gato Péricles:

Virei Péricles-da-Sílvia por conta da teimosia da própria. Estou me referindo à Sílvia, claro. Lá estava eu, desiludido de todas as minhas vidas quando ela me achou, faminto e chateado, perambulando pelas ruas. Foi assim que minha sexta vida acabou cruzando com a primeira do jovem Péricles, um siamês vesguinho e muito simpático que já morava na casa há alguns meses. Vocês sabem, sou temperamental e meio arisco, mas andava tão carente naquela época que não resisti ao chamego dela e entrei no carro sem miar, mesmo desconfiando daquela história de “meu Péricles”. Deduzi que ela tinha me confundido com outro gato e me fiz de desentendido, sonhando com uma refeição farta num canto quentinho, antes que ela percebesse o possível engano. Mas não era nada disso. Descobri tudo logo que chegamos em casa: o que a Sílvia queria mesmo era um gato pra chamar de seu, e de Péricles! Até hoje não sei se foi falta de imaginação ou pura birra, mas ela tanto fez e teimou que teimou e bateu o pé até dar no que deu: dois Péricles, eu e o da Julia, vivendo sob o mesmo teto e sobre os mesmos telhados.
A coisa toda era confusa, mas com o tempo aprendemos a reconhecer quem estava sendo chamado a cada momento, eu ou o Péricles-da-Júlia. De todo modo, foi uma época gostosa, com rações miauvilhosas pra cada um de nós, servidas em tigelinhas separadas. A minha, felizmente, não era estampada com florzinhas e gatinhos ridículos, como a do meu xará. Mas ele não parecia se importar com isso. Também tínhamos banheiros privativos, cada qual com a sua bandeja, e cestinhas aconchegantes pra dormir confortavelmente sempre que desse vontade.
Vira e mexe penso nele, o pequeno Péricles... Será que ele teve a mesma sorte que eu?

1 de jun. de 2015

numa manhã escura

como hoje, eu era pequena e tinha medo que a noite nunca terminasse. Então me escondia debaixo da coberta, encolhida no meu quarto de filha única, quietinha, até ouvir o barulho dos pratos e talheres acordando na cozinha, e sentir o cheiro bom da loção pós-barba passando pelo corredor; mãe e pai: minhas certezas a cada amanhecer.