5 de nov. de 2014

abelha


Por causa da chuva inesperadamente forte, fechei os vidros do carro e avancei devagar, tentando enxergar através da enxurrada de pingos grossos que o parabrisa não dava conta de dissolver. Achei que estava sozinha, mas não: éramos eu e a abelha. Medo e prudência deram a ordem: não se mexa! Então continuei dirigindo como se não estivesse aflita com a tempestade e a abelha e a vontade de sair correndo dali, trocando a marcha e girando a direção com movimentos mínimos, ao contrário da abelha que começou a voar em giros desesperados pelo interior do carro, zumbindo ameaçadoramente cada vez que batia num dos vidros, atraída pela claridade. Num gesto corajoso, me mexo rapidamente, alcanço a maçaneta da outra porta e abro uma fresta da janela, mas a abelha, estranhamente, não aparece. Presto atenção, mas já não ouço o zumbido, só a chuva espalhando seu barulho e água pelo banco do passageiro. Por um momento, penso que a abelha se foi, respiro aliviada e fecho o vidro. Então vejo: a mancha amarelo-escuro sobre o painel preto, parada, quieta, ao meu alcance: presa fácil de um lenço de papel certeiro. O plano é simples, mas não posso falhar, sob o risco de despertar sua ira. Chego a puxar um lenço da caixinha quando, de repente, ela se move, lentamente, deslizando pelo painel até parar de novo, agora quase na minha frente. Por um momento, eu e a abelha: frágeis, presas na mesma armadilha, com medo uma da outra. Amassei o lenço de papel e abri completamente o vidro da minha porta: a abelha ainda hesitou um instante, intimidada pelo vento forte, mas num ímpeto alçou voo, confiante, e despareceu no meio da chuva, agora mais fraca, pingando só uma lembrança de  tempestade.

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