25 de abr. de 2008

Palavras com gosto, cheiro e som

Pode ser puro preconceito, mas confesso que costumo desconfiar dos livros de auto-ajuda literária. Outro dia, porém, acabei saindo de um sebo com um exemplar interessante: "Sem Trama e Sem Final --99 Conselhos de Escrita", de Anton Tchékhov (Martins Fontes). Esse pequeno manual traz as idéias e sugestões do escritor russo a respeito da escrita, extraídas de sua correspondência e de suas próprias experiências como leitor e escritor. Tenho lido esses "conselhos" de forma nada sistemática. Algumas passagens são muito inspiradoras:
"[...] Retrato a planície, a imensidão lilás, os criadores de ovelhas [...] os temporais noturnos, os comboios, os pássaros da estepe. Cada capítulo constitui um conto à parte, e todos os capítulos, como as cinco figuras da quadrilha, estão ligados por uma estreita afinidade. Esforço-me para que tenham o mesmo aroma e o mesmo tom [...] Sinto que superei muitas dificuldades, que há passagens com cheiro de feno."

De novo, o preconceito: se minha colega de redação Sandra Boccia não tivesse me mostrado, talvez eu não tivesse me interessado pela resenha de "Para Ler Como um Escritor" (Jorge Zahar), da americana Francine Prose, publicada na revista Época desta semana. Mas depois de ler o texto do escritor José Castello, fiquei interessada nesse guia prático que, paradoxalmente, instiga a experimentar a leitura (e também a escrita) como uma aventura íntima. Com a mesma liberdade que desperta os sentidos e leva alguns (grandes) escritores a escrever passagens "com cheiro de feno". Segue um trecho da resenha de Castello:
"Quando ouvimos uma sintonia de Beethoven, ou uma canção de John Lennon, não pensamos nos conteúdos que guardam, ou em seus significados ocultos. Mas sentimos. Ouvimos a música e somos carregados pelos sons. Quanto mais ouvimos, maior o prazer... Transposto para a literatura, esse é o modelo proposto pela escritora Francine Prose... Ela escreve para os que desejam ler 'como um escritor', isto é, com liberdade interior. A estes, sugere uma leitura atenta e cuidadosa, feita mais com a sensibilidade que com o pensamento... Ela escreveu este livro para aqueles que lêem com o ardor das crianças. Não para interpretar, ou para conhecer, mas como uma aventura."
Parece bom, não?
(Silvana Tavano)

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