6 de mai. de 2010

Sem piscar

Eu e as bolas (de qualquer tamanho) nunca nos entendemos bem. Desde pequena. Sempre foi improvável me encontrar dentro da quadra de volei ou em volta de uma mesa de ping-pong. Tipo totalmente descoordenada. Em compensação, eu era imbatível nos campeonatos de pisca-pisca: toda vez o adversário acabava piscando, e eu lá, firme, como se não piscar fosse a coisa mais natural do mundo. Não é: a gente pisca umas 20 vezes por minuto, é um abre-e-fecha automático. Esse ritmo só diminui quando os olhos esquecem de olhar e ficam pensando -- daí o pisca-pisca relaxa. Mesmo assim, dura pouco, e dependendo do pensamento a piscada começa a beliscar, justamente pra mudar de assunto. Claro que eu tinha os meus truques: quando sentia que a coisa estava pra acontecer, levantava levemente as sobrancelhas e esboçava um sorrisinho fingindo a maior segurança -- era tiro e queda, o adversário entregava os pontos na hora.
Com uns seis anos, meu filho não se conformava de perder sempre. Eu tentava explicar que ele não podia arregalar o olhão pra encarar a brincadeira, era derrota na certa! Desafiar a natureza não é o caminho. Também não adiantava ficar piscando que nem louco, antes, achando que dava pra gastar o estoque de piscadas. Acontecia exatamente o contrário, porque esse é o tipo de coisa que quanto mais se faz, mais se quer fazer. Agora ele tem 16 anos -- pois é, o tempo passou no tal do piscar de olhos! Nunca mais apostamos "quem pisca primeiro", mas, hoje em dia, ele poderia me vencer. Já descobriu como é gostoso ficar um tempão olhando para o nada, sonhando acordado, com aquele olho pensante que nem lembra de piscar.

(Silvana Tavano)

3 comentários:

Caleidoscópio disse...

Que declaração linda.
=*

Denise Portes disse...

O olhar pensante dos adolescentes, a beleza mais bonita de se ver.
Beijo
Denise

Veronique d'Angoulême disse...

Silvana,

Estou encantada com sua literatura...

Vou lendo e nem pisco.