19 de abr. de 2011

Escrever

Às vezes começo colocando o sofá e alguns tapetes na sala. De vez em quando, os primeiros móveis vão direto para o quarto, e é lá que fico morando um tempão, meio fechada, sem pensar na mobília do resto da casa. Cada vez acontece de um jeito, mas escrever pode ser exatamente assim, e as histórias só terminam quando a casa está toda equipada, com roupas dentro do armário, cheiro de bolo na cozinha, portarretratos e objetos espalhando lembranças por todos os cantos. 
Enquanto moro nesse lugar, muitas vezes mudo a decoração, hospedo pessoas que vão e vem, aprendo a conviver com quem acaba ficando. No final, quase sempre é difícil abandonar essa morada – depois de um tempo a gente se apega, tudo em volta já se tornou querido e familiar demais. Com certa tristeza, me preparo pra ir embora, mas enquanto checo todas as coisas pela última vez também fico satisfeita vendo que a casa está montada, em ordem e pronta pra receber visitantes. Então passo um tempo perambulando pela cidade, me atrevo por bairros desconhecidos, descubro ruas simpáticas e, em algum momento, me interesso por outro endereço. Nos primeiros dias, estranho tudo: os barulhos da vizinhança, a cara do jornaleiro, a distância até a padaria. Mesmo assim, decido ficar porque, depois de pintar as paredes de branco e passear sem pressa pelos espaços ainda vazios, sinto o perfume de uma história novinha em folha misturado ao cheiro da tinta fresca.

(ST)

5 comentários:

Leda Lucas disse...

Delícia de descrição do processo de escrita.
Amei.
Leda

Eunícia disse...

ADOREI!

Patricia disse...

querida sil,
há muitos meses não te visitava. Falha grande. hj fiz visita, longa, colocando a conversa em dia. Tô saindo feliz com o que você "me disse" sobre a viagem, os livros, a fofoca da Virada Cultural, a gata emburrada, o filho... Delícia de conversa. Aqui há a certeza de bom papo.
Prometo visitas mais amiúde.
beijos,
Patricia

Juliana Valentini disse...

Silvana,
que delícia de texto!
É uma bonita maneira de ver o ciclo da escrita e também se aplica à vida real, às mudanças e aos novos textos que escrevemos sobre nós mesmo, vivendo a vida de todo dia.
Estou em processo de recomeçar (a vida), ainda com um bom tanto de medo, por isso foi reconfortante e encorajador chegar ao final do seu texto sabendo que a insegurança é normal mas depois da pintura das paredes vem o perfume de uma história novinha em folha misturado ao cheiro da tinta fresca.
Muito obrigada!
Um beijo grande,
Juliana.
PS: e aquele café, vamos tentar de novo?

silvana tavano disse...

Juliana, chega de requentar esse café, rss. Me liga pra gente marcar logo esse encontro!
beijo