Quem convive com gatos sabe o quanto pode ser difícil ler sem ser interrompida. Posso desligar o celular e o computador, mas não tenho como desligar minha gata. Basta abrir o jornal na mesa e, em questão de segundos, ela estará andando silenciosamente sobre a página, na maior calma, à procura de um lugar pra se acomodar -- nove em dez vezes o ponto escolhido é justamente em cima da notícia que estou lendo. Mesmo se estiver sentada com o jornal ou um livro abertos, ela dá um jeito de atrapalhar: aparece no colo de repente e se encaixa entre os meus olhos e o texto. É sempre assim e só consigo me livrar dela depois de muitos chega-pra-lá. Dependendo da leitura, a intromissão da gata pode me obrigar a retomar um parágrafo que já estava no final ou a retroceder ainda mais, procurando o fio da meada. Isso não costuma ser muito divertido, mas ontem tive uma experiência interessante enquanto estava lendo “A Aventura de um Leitor”, de Ítalo Calvino. O conto está no livro “Os Amores Difíceis” e descreve o que acontece com Amedeo, o leitor-personagem, enquanto tenta terminar o romance que levou para saborear numa praia quase deserta.
“(...) Naquele momento, também, a atenção pela página que estava lendo -- um longo trecho descritivo – estava afrouxando (...) Era preciso que não levantasse mais os olhos. Pelo menos até o fim do capítulo. Leu-o de um fôlego. A senhora agora estava com um cigarro na boca e o indicava com um sinal. Amedeo teve a impressão de que ela estava tentando chamar a atenção dele já havia algum tempo”.
Igualzinho à minha gata, fazendo de tudo pra roubar minha atenção e me colocando no mesmo vaivém de Amedeo, linha após linha, dividido entre dois desejos: mergulhar na ficção e atender aos chamados da vida real.
2 comentários:
Gostei muito!
Adoro gatos. Tenho duas: Guida e Miona, que disputam atenção e território em colo, cama, sofá, mesa do computador... uma graça!
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