Era uma vez um Autor com uma vaga ideia para uma nova história. E como nessa história tinha vaga de verdade para um grande Personagem, pensou em começar sua busca colocando um anúncio no jornal.
Procura-se um Personagem disposto a viver aventuras eletrizantes. Não é necessário ter experiência no tema, mas algumas características serão especialmente consideradas: um certo preparo físico, raciocínio rápido e personalidade carismática.
O primeiro candidato a se apresentar foi logo dizendo:
- Participei de passagens importantes de muitos livros famosos, imortalizados por personagens estrelados.
- Ah, parabéns! O senhor tem razão. Os grandes personagens não envelhecem. Mas, se entendi bem, o senhor nunca foi o protagonista desses enredos, certo? Enfim... É uma pena, mas um coadjuvante de idade avançada não é o que busco. Desculpe!
Dois dias e muitas páginas amassadas depois, o Autor recebe outro candidato - um tipo muito sincero, mas bastante imaturo.
- Já passei por muitas imaginações, mas...
- Mas?
- Nunca cheguei ao papel...
- Ah...
- Tenho muito potencial, mas...
- Mas?
- Preciso de alguém que acredite em mim, que me decifre e me revele com todas as letras, entende?
- Você é muito interessante. Mas...
Na semana seguinte, com a cabeça embaralhada e ainda sem um herói à vista, o Autor começa a pensar em outras possibilidades e, repentinamente, tem uma grande ideia: e se o narrador transformasse a própria aventura em Personagem? Animado, ele já ia colocar o texto em ação quando o telefone toca.
- Bom dia. Posso falar com o Autor?
- E o senhor é...?
- O Personagem.
- Ah, claro, o anúncio...
- Exato, o anúncio. Muito bem escrito, por sinal.
- ...?
- Quantos livros o senhor publicou?
- ... !?!
- Alô? Alô, o senhor está na linha?
- Sim... Claro, estou ouvindo... Continue, por favor!
- Desculpe! Espero que não me leve a mal, mas preciso saber um pouco mais sobre o seu estilo, como é o seu processo criativo, quais gêneros o senhor domina, se tem livros premiados... É que não me encaixo com naturalidade em qualquer texto. Tenho que sentir alguma consistência literária, entende?
O Autor experimentou vários estados de espírito. No início, ficou atônito. Mais que isso, catatônico! Depois, a palavra certa seria "irritado". Mas, pouco a pouco, foi se sentindo, como dizer?, impressionado! Pois, à medida em que respondia às perguntas do Personagem, foi se surpreendendo mais e mais com suas próprias palavras.
No dia seguinte, conversaram de novo. E no outro, outra vez.
Trocaram ideias durante tanto tempo que acabaram se tornando grandes amigos. Anos depois, eram tão íntimos que um logo adivinhava o que o outro tinha acabado de pensar e, juntos, inventaram histórias fabulosas.
Esse miniconto foi publicado em maio pela revista Nova Escola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário