Sempre me senti desajeitada nas aulas de educação física. Eu era um desastre, o tipo de aluna que desanima qualquer professor. Mas não tinha inveja das meninas que faziam aquelas estrelas e conseguiam saltar pra lá e pra cá com graça e leveza. Até porque eu também tinha os meus grandes momentos nas aulas de português, e mais ainda nos dias de prova, quando eu fazia muitas redações, a minha e de mais um monte de gente.
Outras coisas que não me chatearam: nunca ter conseguido mergulhar de cabeça (afinal, qual o problema de cair na água de pé?)nem ter ido muito longe nas aulas de piano.
Mas tenho, sim, uma frustração que carrego calada desde pequena. Aliás, literalmente calada. Não sei assobiar. Nem um fiu-fiu. E olha que eu tentei. Diziam: faz um biquinho assim. Eu fazia e nada. Põe a língua no céu da boca. Eu me enrolava inteira, engasgava, mas som que é bom, zero. Vibra a bochecha, puxa o ar pra dentro, fecha os olhos, coloca os dedos assim assado. Silêncio. Bom, às vezes até saía um "arzinho musical", uma espécie de sopro desafinado, mas nada que lembrasse um assobio, nem de longe.
O pior nem é não conseguir -- duro mesmo é fazer com que as pessoas acreditem que você não consegue. Como se assobiar fosse algo tão banal quanto piscar os olhos, pular amarelinha, essas coisas. Não, não é. Diferente de ter dotes pra ginástica olímpica ou talento musical, não conseguir assobiar é um problema. Sei lá, um tipo de defeito de fabricação. Soube disso no dia em que descobri que minha mãe não assobiava. Anos depois, outra revelação: minha irmã também não conseguia. Nunca falamos muito sobre isso lá em casa, simplesmente sabiamos. E tinha o Jeremias, que viveu mais de dez anos com a gente, preenchendo esse vazio com seus trinados caprichados.
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Meu filho também não assobia, mas nunca se queixou dessa herança. Com ele aprendi que a gente canta e pronto. Nem sempre sai afinado, mas e daí? Já ouvi tanta gente assobiando fora do tom... Em compensação, quando a pessoa tem jeito pra coisa, nossa, é sensacional! Enquanto escrevo esse post, ouço o assobio estereofônico da Cícera vindo lá da sala: um som forte e cheio de bossa, uma beleza de assobio. Aí dá inveja, fazer o quê?
(Silvana Tavano)