28 de dez. de 2014

os dias

Eles correm, quase voam até finalmente chegar aqui. Mas quando amanhece e se dá conta de que é o último do ano, Domingo respira fundo e paira, sem pressa nenhuma de passar. Calmo por natureza, hoje ele se dá ao luxo de ser ainda mais lento e quieto. Como se quisesse ser plenamente Domingo pela última vez desta vez. E mesmo sob o sol excitado pelo verão, a tarde desliza tranquila, vai se esticando, preguiçosa, e fecha os olhos lentamente quando a noite chega, diferente das noites ansiosas de tantos Domingos antecipando a Segunda-Feira.
Os próximos três dias, cada vez mais últimos, também entram nesse ritmo estranho e seguem desconectados do relógio e suas urgências. Suspenso na rede, o Tempo tira férias, balançando entre o ano que termina e o que está começando, e quando amanhecer novamente, Domingo vai respirar fundo e pairar, como se fosse a primeira vez.

21 de dez. de 2014

natal

Todo mundo foi embora. Aos poucos, é verdade. Uma turma se mudou num ano; outra, meses depois. E eu fui ficando e ficando e fiquei. Sozinho. Por sorte, sou muito maleável, me adapto bem às circunstâncias. Cá entre nós, não sinto tanta falta assim de ninguém, quer dizer, na maior parte do tempo. Mas quando chega dezembro, confesso, bate uma saudade. O pessoal era animado e na hora de armar a festa, nossa, a gente caprichava no visual. Espalhados pela casa, dávamos um colorido todo especial a cada canto, muito brilho, luzes, era lindo mesmo! A criançada brincando com a gente, bons tempos! Agora todos cresceram, fico espantado vendo como o tempo passou... Mas não vou dar uma de saudosista, até porque hoje em dia também tem festa. A noite sempre é alegre, com música e o maior capricho nos comes e bebes, e mesmo sozinho, eu continuo aqui, a postos, no lugar de sempre, dando as boas vindas pra quem chega. É uma baita responsabilidade, ser o único vestido a caráter, segurando o clima da noite! Mas também é uma delícia continuar existindo pra quem, ano após ano, espera esse dia pra me reencontrar.

18 de dez. de 2014

natal

trocar presentes
celebrar encontros
lembrar dos ausentes

rimar alegria com melancolia

desde que me lembro
a saudade mora
em dezembro

13 de dez. de 2014

afeto

a língua-lixa lambe
com delicadeza
faz cócegas, arranha
mistura doçura e dureza 

na língua dos gatos
amor rima com aspereza

10 de dez. de 2014

A Vida é Logo Aqui

(…) Dani, não esquece! Toma logo o antialérgico se levar uma picada!
Entro no ônibus abraçando minha mochila feito travesseiro, e me encolho num dos últimos bancos, cara grudada na janela, dando tchau pra minha mãe, de pé, ali na calçada, entre mil mães a única com vontade-de-chorar-disfarçada-de-sorriso. Seu rosto me diz que ela está feliz porque estou indo e aflita porque estou indo. Quando o ônibus começa a se mover, a turma grita e festeja a partida enquanto as mães vão ficando pra trás, e então peço -- é quase uma prece -- pra que todos os temores fiquem lá, com ela, plantados na calçada.

Trecho de "Dani Vai Dançar", na coletânea organizada por Nelson de Oliveira, chegando com o ano novo com o selo do Sesi-SP Editora.

8 de dez. de 2014

esperar

(*)
o chá, as manhãs, as histórias: todas as coisas têm seu tempo de nascer.  

(*) a ilustração é de Eva Vásquez

3 de dez. de 2014

sementes

Hoje lembrei daquela experiência que a gente fazia na escola, em algum momento do antigo curso primário: dentro de um potinho transparente, colocávamos um grão de feijão sobre um punhado de algodão embebido em água. Depois, era só deixar o recipiente num lugar bem iluminado, umedecer o algodão, caso secasse, e esperar. Em poucos dias, o feijão enrugava e logo aparecia a pontinha de um caule que cresceria rápido, feito mágica, rodeado de folhas verdinhas. Aguardo o início do ano com a mesma expectativa da menina que ficava observando os primeiros sinais de mudança dentro daquela nuvem de algodão, ansiosa para ver os brotos de tantas sementes que plantei em 2014.