24 de dez. de 2015

hoje

natal é saudade de uma noite antiga, as crianças de olhos arregalados procurando papai noel entre as estrelas que brilhavam muito mais sobre a cidade do interior, o céu exuberante iluminando os sonhos dos grandes e dos pequenos; de repente, gritos de alegria, a excitação saltando entre nós que víamos, num relance, a nuvem-trenó, olha, olha, ele está chegando!, e logo apareciam os pacotes coloridos, a árvore generosa presenteando a inocência dos nossos desejos e plantando -- eu ainda não sabia -- a saudade de uma noite antiga.

8 de dez. de 2015

ops!

Um lapso se explica por si só: é como o seu próprio Pê: uma letra que escapa de repente e se intromete no meio da palavra, saliente e óbvia, mostrando que tem voz, mesmo quando parece muda.

27 de nov. de 2015

vazio


no quarto não há móveis, só marcas de pôsteres que, um dia, cobriram as paredes, e algumas revistas espalhadas sobre o piso frio, como gravetos de um ninho que se desmanchou.

18 de nov. de 2015

trecho

de coisas que ando escrevendo...

(…) Pra mim, essa história de conexão entre gêmeos é puro folclore. A baboseira de que um sente o que o outro tá sentindo e tudo o mais. E sempre tem alguém contando dos irmãos separados na maternidade, adotados por pais diferentes, morando cada um num país, e morrendo no mesmo dia, do mesmo jeito. As pessoas exageram, mistificam tudo. Como se ter um gêmeo fosse uma coisa meio mágica unindo duas pessoas em tudo pra sempre. Isso é totalmente bizarro. A vida de cada um é única e o que tem dentro da gente só a gente sabe. A gente e as pessoas com quem a gente se conecta de verdade. Ela... Pensei que era de verdade. Mas como ela pode ter achado que ele era eu? Quer dizer que todas as vezes em que olhei nos olhos dela, foi só isso que ela viu, a mesma cara do Júlio?

7 de nov. de 2015

inquietação

é como o vento despenteando árvores e o fogo que se lambuza na madeira seca fazendo tudo crepitar dentro da gente.

2 de nov. de 2015

(a)ventura

Fascínio e vertigem.
Há em mim um lugar que é porta entreaberta.
Pelas frestas, luzes: tantos tons e intensidades. Às vezes, é um clarão que ilumina com brilho o sempre dos dias. Em outros momentos, é só um lume discreto, chama de lanterna, esperança nas noites mais escuras.
Pelas frestas, oxigênio: corrente de ar vivo, sopro do mundo.
Nos dias de ventania, a porta escancara, empurrada pela força da 5ª Sinfonia de Mahler, pela poesia de Szymborska, pela palavra inaugural de Manoel de Barros, pela imaginação assombrosa de Calvino, pela tempestade nas telas de Turner ou pela simples visão do mar em ondas inquietas que reverberam leveza e profundidade.
Mas a porta também se abre com suavidade quando é outono e parece que vejo o sol se por pela primeira vez. Ou quando as nuvens se transformam em alfabeto para contar histórias em movimento.
Muitas vezes a porta se abre inesperadamente e me conduz a outros mundos pelas páginas de um livro. Tantos livros - através do espelho de Alice ou descortinando uma espécie de felicidade clandestina, eu, de repente, na mesma rede da menina do conto de Clarice.
Fascínio: por trás dessa porta, o sentido de tudo: coisas que me chamam porque também são minhas de tanto que as conheço. Nelas, me reconheço.
Vertigem: avanço devagar, toco as divindades que me visitam em momentos de suspensão; com sorte, por instantes, experimento o gozo do voo.
E volto. Preciso voltar. Tanto quanto preciso manter essa porta sempre entreaberta.

18 de out. de 2015

casas

Pedro mora na casa amarela da rua cinza de uma cidade muito grande. Julia vive com a cabeça nas nuvens, no último andar de um prédio que arranha o céu. Caio vive pra lá e pra cá: sua casa é onde seus brinquedos estão. Cris mora dentro do seu diário e lá escreve cartas que acaba não enviando pra João, que mora em outro país, numa casa que ela não conhece. Clara ainda está morando dentro da barriga da sua mãe. João sempre diz que sua casa é duas, a do pai e a da mãe. Às vezes, Tati se imagina morando lá longe, na casa-estrela de onde sua avó manda beijos brilhantes.

5 de out. de 2015

trecho

de uma nova história:


(…) Eu tinha acabado de fazer seis anos quando ela nasceu. Mamãe queria que ela se chamasse Lúcia, como a mãe dela; papai preferia Leda, como a mãe dele. Mas quando colocaram ela no meu colo, lá na maternidade mesmo, achei que ela tinha cara de Luísa. Sei lá de onde tirei esse nome, eu não conhecia nenhuma Luísa, não que me lembre. Mas devo ter falado com tanta certeza que meus pais decidiram na mesma hora. Ficou sendo Luísa, a irmãzinha por quem abdiquei do trono de filha única na maior alegria. Podia ter sido diferente se eu tivesse dois, três anos, talvez rolasse a maior ciumeira. Todo mundo diz que é assim. Mas, aos seis, foi como ganhar um presente! Minhas amigas morriam de inveja porque a minha boneca era de verdade. Eu adorava dar mamadeira, trocar fralda, cantar pra ela dormir, e mamãe adorava, é claro – quando eu voltava da escola, ela tinha direito a recreio. Mesmo depois, quando a Lu já era mais crescidinha, eu largava tudo pra brincar com ela. Com uns dez anos, eu passava horas assistindo desenho animado e continuava me divertindo com as nossas “danças malucas”, uma espécie de samba desajeitado que sempre acabava no chão com muita risada. É verdade que de vez em quando a Lu teimava, chorava, causava! Mas a caçulinha tinha privilégios, dois minutos de castigo e pronto, mamãe logo liberava. Já eu tinha obrigação de ser paciente, afinal, era uma “mocinha”.

24 de set. de 2015

21 de set. de 2015

homem-ditado

Quando eu era pequena, achava a maior graça sempre que meu avô dizia: “boca fechada não entra mosquito”. Ficava imaginando porque um mosquito iria querer entrar na boca de alguém com tanto espaço pra voar. Ele sempre tinha uma dessas máximas na ponta na língua pra retrucar ou comentar e principalmente pra encerrar qualquer conversa. Velhinho, ele virou uma espécie de homem-ditado -- dependendo do assunto, a gente já adivinhava o arremate: lá vem a história do silêncio de ouro, agora ele vai dizer que seguro morreu de velho ou que mais vale um pássaro na mão etcétera e tal. Fui crescendo, parei de achar graça e comecei a sentir certa compaixão pelo meu avô, aprisionado nessas frases feitas, cheias de verdades chatas. E cada vez que ele ameaçava soltar um desses provérbios embolorados, era eu quem tinha vontade de dizer: “boca fechada não entra mosquito”.

15 de set. de 2015

sonho

Éramos nós três na foto, eu, no colo do meu pai, e a minha mãe. De repente, a foto entrou dentro do carro e minha mãe estava dirigindo. Ela sorria, olhando pra frente. Estávamos numa estrada, indo pra praia. Agora eu tinha sete anos e viajava quietinha no banco de trás. Todos estavam felizes dentro do carro, como se fosse o primeiro dia de férias. No momento seguinte, éramos só nós dois, eu, bebê de novo, no colo do meu pai, passeando num jardim. Não tinha ninguém por perto e nós dois estávamos nus. Não acontecia nada e dentro do sonho sonhei que achava estranho não acontecer nada. Mas era gostoso sentir o sol na pele.

3 de set. de 2015

trecho

… de uma longa história:

(…) Eu tinha 12 anos quando minha avó morreu. Três dias antes, ela estava lá, na cozinha que eu conhecia desde sempre, eu e ela em frente ao fogão, duas colheres de pau misturando a massa do brigadeiro na panela de ferro, e eu ria cada vez que mergulhava a ponta do dedo no chocolate quente, Nina, desse jeito você acaba com o recheio do bolo! Ela estava lá, fazendo as coisas de sempre, perguntando da escola, se eu tinha ido ao dentista, querendo saber das novidades e me pedindo pra ligar o forno enquanto untava a forma com uma nuvem fininha de manteiga. Ela ainda estava lá, de pé, ao lado do portão, quando saí carregando o embrulho de papel alumínio com todo o cuidado, minha mãe com o carro ligado, reclamando do trânsito, prometendo voltar no sábado, e o cheiro quente do bolo dentro do carro, virando a esquina enquanto ela acenava pra nós. Ela ainda estava lá.
Meus primos e eu ficamos na casa de uma vizinha da tia Helô. Não nos levaram ao velório nem ao enterro. Melhor que lembrássemos da nonna como ela era, disseram, e em algum momento, quando já estávamos prontos pra dormir, lembrei do bolo, ainda pela metade, deixado sobre a mesa, junto com as xícaras e os restos do café da manhã, interrompido às pressas, enquanto minha mãe andava pela casa, desnorteada, depois de desligar o telefone. A dor explodiu de repente, sacudindo meu corpo com um choro surdo e assustador, uma agonia que ainda não sabia ser lágrima, gritando por dentro, em cada canto, como se precisasse juntar forças pra passar pela garganta, estrangulada, a boca aberta enquanto minha barriga chorava, meus braços choravam, todos os fios dos cabelos choravam. Num impulso, talvez porque não soubessem o que fazer, meus primos me abraçaram com força, e o que em mim tentavam conter aos poucos foi se espalhando pelos três em forma de espasmos, soluços, líquidos, o mesmo sangue de três netos circulando num único corpo que finalmente chorava.
A morte da minha avó foi uma notícia, a máscara de dor no rosto da minha mãe e um buraco pra onde, por muito tempo, eu olhava, indignada, sem compreender como ela tinha partido sem se despedir.

(…) 

27 de ago. de 2015

inverno

é como um toque de recolher: os dias vão embora mais cedo, encolhidos de frio, e a vida lá fora fica mais quieta pedindo pra gente escutar as palavras de dentro.

24 de ago. de 2015

trecho

… de uma nova história:


(…) Ah, preciso te contar o sonho! Hoje acordei com uma vontade louca de comer brigadeiro por causa desse sonho. Lembra quando a gente ficava enrolando brigadeiro a tarde toda? Então, sonhei com aqueles soldados-bolinhas enfileirados na mesa da cozinha, lembra? Você inventava que a mesa era o pátio do quartel e daí contava a história do exército de brigadeiros. Era uma história sem pé nem cabeça: você dizia que eu não podia comer todos os soldados de uma vez porque o batalhão tinha que ocupar o território inteirinho, e o território era o prato! Que maldade enganar uma criancinha desse jeito, como você tinha coragem? Daí pulei da cama com desejo de brigadeiro e com tanta saudade daquela época... Sinto saudade de você, sabia?

16 de ago. de 2015

domingo

No meio da tarde, a saudade vem me visitar. Senta no sofá, aceita o cafezinho e vai ficando, indiferente às horas que passam pelo meu relógio. O dela é outro, e ecoa seu tic-tac no silêncio da casa, preenchendo o tempo com a falta que você faz.

9 de ago. de 2015

pai

espuma de barba
beijo branco
na pele macia

molho de tomate
carinho e cachimbo   
no domingo

a montanha mais alta
força e abrigo
na ventania

6 de ago. de 2015

o xis da questão

A professora me dá o giz e pede uma palavra com xis. 
Xiiiiiii! Será que xícara, será que chácara…? 
Ah, tem aquela! Professora, como é que se diz…? Aquilo que tem nas fontes… 
Acho que é… Hmm… É… Chafariz? 
Na mesma hora, ela torce o nariz: essa palavra é bonita, mas cadê o xis? 
Olha pra classe, quem se arrisca? "Chilique!", grita a Beatriz. 
Agora ela fica furiosa! Ainda bem que esse erro eu não fiz... 
Então, de repente, lembro da história do gato…Xadrez! 
E a professora bate palmas, feliz.
Ufa, que alívio... Essa foi por um triz!

27 de jul. de 2015

tarde de poesia

Em Paraisópolis, com uma turma inspiradíssima, que alegrou o meu dia de muitas maneiras: com poesias, como a da Karen...
fala comigo, amigo, desabafa!
acaba com esse mistério
antes que me tire do sério!
... e com desenhos lindos, como o autorretrato da Geisiane, mostrando o "antes"...
... e o depois da nossa oficina.
Delícia!

memória

Sempre que passo em frente ao prédio onde morei quando era pequena tenho o impulso de parar e perguntar se tem algum apartamento pra vender ou alugar. Não estou procurando imóvel, isso seria só uma desculpa pra visitar o lugar onde vivi dos 6 aos 13 anos. Dias atrás, uma placa pregada no portão me fez encostar quase em frente ao prédio. Estacionei, mas não saí do carro. Não sei quanto tempo fiquei ali, olhando pra escadinha ao lado da portaria, onde eu e a menina do 6º andar montávamos uma banquinha improvisada com pilhas de gibis velhos. A gente passava a tarde oferecendo Luluzinhas e Bolinhas pela metade do preço pra quem passasse pela calçada. Adélia era uma ótima vendedora! Por onde andará essa minha primeira sócia?
Depois olhei para o terceiro andar e entrei pela janela no quarto da minha mãe, adivinhando a grande penteadeira com espelho, encostada na parede à esquerda, a cama de madeira escura, bem em frente; a porta do banheiro no meio da outra parede, "disfarçada" entre as portas dos armários embutidos. Fui até a sala, sentei no sofá verde de pés palito, abri a tampa do piano preto e parei na frente de um quadro que sempre achei triste, a paisagem de uma praia escura e deserta, presa numa moldura dourada horrorosa. De repente, pensei: será que a sala é mesmo tão grande quanto a da minha memória? E então perdi a coragem de ir em frente. Porque o mundo inteiro cabia dentro daquele apartamento, e também no quintal da minha avó e no pátio da escola, lugares que vão continuar sendo do tamanho do meu mundo de menina.

16 de jul. de 2015

trecho

de uma nova história:

(...) às vezes penso que, um dia desses, saindo do mar, eu encontro a Maira na praia, sentadinha, me esperando, e tudo volta a ser como antes. A gente vai se abraçar e nada mais vai doer em mim. Ainda dói. Toda vez que piso em terra firme, dói. Então vou pro mar porque o mar é meu chão, cara. De vez em quando as coisas também ficam escuras dentro do tubo, mas o céu azul tá lá, sempre tá, a gente tem que acreditar, concentrar no equilíbrio pra descer numa onda gigantesca e seguir com ela até que tudo se desmanche (...)

12 de jul. de 2015

trampolim


salta, menina!
mergulha na tela
desmancha na água
vira aquarela
...
e essa lindeza de ilustração é da Maria Eugenia.

1 de jul. de 2015

reviravento

vento atrevido
bate no vidro
atravessa janelas
apaga velas

pássaro sem asa
circula pela casa
assobia inquietação
entre as frestas

papéis no chão
como folhas na floresta
de repente a agitação
de fantasmas em festa

tão vivo o invisível
vento

25 de jun. de 2015

21

Você me olhou de um jeito tão sério que fiquei sem graça.
Tinha imaginado o nosso primeiro encontro de tantas maneiras, nunca assim: silencioso, quase solene. Eram 11 da manhã, fazia um frio danado lá fora, exatamente como hoje. Por um momento, a gente ficou se encarando com estranheza, ainda sob o impacto de termos sido separados -- o cordão que nos unia numa intimidade tão absoluta tinha sido cortado.
De repente, era assim: você e eu.
Diferente do que sempre pensei, o amor não explodiu, óbvio, imediato. Foi vindo devagar, dia após dia, e se tecendo forte, num laço invisível, macio e elástico, que segue crescendo à medida em que você também cresce.
Às vezes, você entra em casa e me dá oi daquele jeito sério. Vinte e um anos depois, reconheço o mesmo olhar da maternidade e, inesperadamente, sinto uma onda de amor que explode vendo você chegar mais uma vez.

24 de jun. de 2015

tempo

Às vezes acontece por conta de certas palavras, ou nem isso: é só o jeito de dizer. Uma música, um cheiro, coisas inesperadas de repente me levam pra outros lugares, como se eu estivesse sentada na cabine de um trem, sendo conduzida em alta velocidade enquanto olho pela janela e vejo a paisagem, imensa, passando devagar por todas as meninas que fui. Então reconheço a garota de uns 13 anos que se acha tão feia e boba e, num impulso, convido: vem comigo! Ela sorri e no mesmo instante já está dentro do vagão, pertinho de mim. Ajeito sua cabeça no meu ombro, aliso os cabelos longos e, juntas, adormecemos, ninadas pelo sacolejo rápido do trem, sonhando um tempo que nunca envelhece.

19 de jun. de 2015

um dia assim:

vento frio
tarde cinza
tudo se tinge de triste
a mesa
a xícara
a poesia
nada resiste

17 de jun. de 2015

8 de jun. de 2015

Péricles somos nós


um trechinho da história do gato Péricles:

Virei Péricles-da-Sílvia por conta da teimosia da própria. Estou me referindo à Sílvia, claro. Lá estava eu, desiludido de todas as minhas vidas quando ela me achou, faminto e chateado, perambulando pelas ruas. Foi assim que minha sexta vida acabou cruzando com a primeira do jovem Péricles, um siamês vesguinho e muito simpático que já morava na casa há alguns meses. Vocês sabem, sou temperamental e meio arisco, mas andava tão carente naquela época que não resisti ao chamego dela e entrei no carro sem miar, mesmo desconfiando daquela história de “meu Péricles”. Deduzi que ela tinha me confundido com outro gato e me fiz de desentendido, sonhando com uma refeição farta num canto quentinho, antes que ela percebesse o possível engano. Mas não era nada disso. Descobri tudo logo que chegamos em casa: o que a Sílvia queria mesmo era um gato pra chamar de seu, e de Péricles! Até hoje não sei se foi falta de imaginação ou pura birra, mas ela tanto fez e teimou que teimou e bateu o pé até dar no que deu: dois Péricles, eu e o da Julia, vivendo sob o mesmo teto e sobre os mesmos telhados.
A coisa toda era confusa, mas com o tempo aprendemos a reconhecer quem estava sendo chamado a cada momento, eu ou o Péricles-da-Júlia. De todo modo, foi uma época gostosa, com rações miauvilhosas pra cada um de nós, servidas em tigelinhas separadas. A minha, felizmente, não era estampada com florzinhas e gatinhos ridículos, como a do meu xará. Mas ele não parecia se importar com isso. Também tínhamos banheiros privativos, cada qual com a sua bandeja, e cestinhas aconchegantes pra dormir confortavelmente sempre que desse vontade.
Vira e mexe penso nele, o pequeno Péricles... Será que ele teve a mesma sorte que eu?

1 de jun. de 2015

numa manhã escura

como hoje, eu era pequena e tinha medo que a noite nunca terminasse. Então me escondia debaixo da coberta, encolhida no meu quarto de filha única, quietinha, até ouvir o barulho dos pratos e talheres acordando na cozinha, e sentir o cheiro bom da loção pós-barba passando pelo corredor; mãe e pai: minhas certezas a cada amanhecer.

30 de mai. de 2015

trecho

--> de uma história que está começando:

(...) Aos poucos, as coisas foram clareando, para o bem e para o mal. Livre do tampão e com a ajuda das grossas lentes dos óculos que comecei a usar logo em seguida, finalmente comecei a enxergar. De repente, contornos firmes, cores fortes, todas as imagens nítidas e de novo eu: fora de foco, deslocada, sem conseguir me encaixar nas situações, nas conversas, nos lugares. A sensação de rejeição não era exatamente uma novidade, a diferença é que, agora, eu não tinha como não ver. Então me refugiava num outro mundo, o que descobri bem antes de meus olhos voltarem a ser quase paralelos, um canto só meu, cheio de visões e imaginação, a casa pra onde continuo indo sempre que fica difícil encarar as coisas como elas são.
Dentro dos meus desenhos, é lá que quero morar.