Sinto saudades da minha mãe todos os dias. Hoje não é mais aquela saudade dolorida, porque o tempo tem esse poder meio mágico de decantar as coisas -- a dor vai descendo e encontra um canto pra morar no fundo do coração da gente. É só não remexer muito que a dor fica lá, quietinha, não se mistura com as lembranças gostosas. Essas, pelo contrário, ficam cada vez mais cristalinas. A saudade que sinto dela é assim: como se fosse uma presença transparente que está sempre por perto. Faz parte, vive comigo e isso é bom de sentir.
Mas também tem o tempo do calendário marcando os dias em que a falta fica mais presente ainda. Os aniversários, as datas disso e daquilo, e o dia 1º de abril. Acho que ela já começava a pensar na peça que ia pregar na gente uns dias antes. Ela ligava cedinho com a novidade. Era sempre uma bobagem, um boato, uma mentirinha qualquer. Toda vez eu caía na conversinha dela e depois ficava me sentindo a mais boboca das bobocas quando ela vinha com a história do 1º de abril. Ela pegava todo mundo -- minha irmã, os netos, nesse dia era mais criança do que eles.
No dia da mentira parece que a minha saudade fica ainda mais de verdade.
(ST)